sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Poema para Aida

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AIDA

Não a conhecendo
Conheço-a:
Pelas sementes que fez germinar
E que deram frutos;
Pelos rastos que imprimiu
No seu caminhar

Aida, Mãe, Mulher!
Estóica guerreira
De lágrimas escondidas
E dores sublimadas
Que nesta terra árida
Regou com doçura
Sementes que crescem até ao infinito

Continuarás presente, sempre
Em Cantos Com Alma

Bem hajas por teres nascido!

Agosto de 2009
Maria José Dinis da Fonseca

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Unindo Gerações

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Este blogue está a cumprir a sua missão: revelou uma mulher especial que foi a nossa mãe; muitas pessoas falaram dela, uns que a conheceram bem, outros que a conheceram menos bem e até alguns que nunca a conheceram. Senti como era querida por todas as pessoas que escreveram sobre ela. A mim, deu-me um imenso prazer recordar a minha mãe.

A ideia inicial de falar de Aida foi ultrapassada: acabou por ser um regresso ao mundo de infância onde desfilaram muitas outras figuras que nos foram muito queridas, muitas delas já desaparecidas.

Os meus irmãos deram uma colaboração preciosa. O Armando exprimiu-se com grande sinceridade, abriu o coração, o que nos Queiroses é difícil, acham sempre que têm o dever de racionalizar tudo, acham que o sentimento é lamechas, que chorar não é próprio de homens inteligentes. São dele os melhores textos deste blogue.
O Norberto, tenho a certeza, foi quem mais intensamente viveu esta visita ao tempo de Aida. Todos os dias o filho, Luís Carlos, lhe imprimia os textos, ele lia e guardava. Disse o que sentia e mais não era preciso.
O António viveu a história de Aida à maneira dele, preferiu fechar-se na concha da suas vivências. Ele guarda, mais de qualquer um de nós, estas e outras histórias num relicário muito dele, parece ter uma certa avareza de as partilhar, imagino até que tem receio de as perder se as trouxer à luz do dia.

Primos, sobrinhos, afilhada, netos e bisnetos, até os amigos do Liceu quiseram deixar o seu testemunho. Os mais novos, ganharam um avó ou uma referência.

Estas são as nossas raízes. Como resultado do encontro que parecia impossível de Aida e José nasceu uma família que tem uma história para contar. É esta história que nós os mais velhos deixamos aos mais novos para que eles se sintam orgulhosos das suas origens. Que a imagem de Aida e aquilo que ela simboliza os proteja na caminhada das suas vidas.

Aida cruzou o século XX: quando nasceu o mundo era mais pequeno, a sua população era de mil e oitocentos milhões; em 2012, cem anos após o seu nascimento, o mundo terá sete mil e duzentos milhões, quatro vezes mais do que em 1912. Paradoxalmente a terra onde Aida viveu e teve os seus filhos viu reduzir, no mesmo período, a sua população para um quarto. Temos de perceber este tempo de mudança e a vida de Aida pode ajudar-nos a isso. Com o seu exemplo, ela também já está a contribuir para unir as gerações.

Luís

terça-feira, 25 de agosto de 2009

29 agosto 2009



















As casas do Canto com Alma, em Almeida, pertencem à ASTA, ficam na rua da Cruz, muito perto da Pousada de Nossa Senhora das Neves.
São estas três casas que vão receber três nomes de mulher: Aida, Lucília, Ana.
Será já no próximo dia 29 de Agosto que nos vamos juntar, em Almeida, nas casas do Canto com Alma para uma singela homenagem a Aida Teixeira e às outras pessoas que têm passado pelo Blogue.

O encontro está marcado para as 17,30.
Às 18,00 horas serão descerradas as placas com os nomes das casas e haverá algumas intervenções. Depois será apresentada uma colectânea com os textos deste Blogue.

Seguir-se-á um lanche, e haverá um tempo para convívio

Os amigos, e os amigos dos amigos, estão convidados

Luís

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Amigos do coração

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Quando o Álvaro Carvalho me conheceu, no Liceu da Guarda, eu deveria ter a idade mostrada nesta fotografia, onde se prova que eu fiz parte da Mocidade Portuguesa, enfim o passado não se renega. O Álvaro é um amigo, um grande médico e um grande homem. Por ser da Mata de Lobos, terra da origem materna de Aida, o seu depoimento ainda tem mais valor.

Luís:
As circunstâncias da vida pregam-nos partidas. Como a de hoje: estou a voar sobre o Atlântico, a caminho de um País da América Latina, amarrado a um compromisso familiar, selado há algum tempo. É esta a ponderosa razão que justifica a minha ausência à cerimónia que promoveste para esta data, e que tem tanto de sentida como de bela. Tu e outros amigos aí presentes, sabem o quanto gostaria de estar contigo nesta hora, de homenagem à “ti Aida” que, se me permites, torno extensível às mães em geral.
Eu, que ainda tenho a minha com vida, mesmo que no ocaso e em notório sofrimento, estou, mais do que nunca, em posição favorável para compreender o significado e o alcance de um gesto destes, numa época em que o que se vislumbra à nossa volta é desprendimento, futilidade, hipocrisia e a corrida desenfreada por interesses vários. Com a agravante de que, os paladinos desta cultura, apesar de vazios de ideias e de sentimentos, entram em muitas cenas e ocupam quase todos os palcos.
Já li e reli, algumas vezes, o texto / convocatória que enviaste aos amigos em 28 de Julho, com o título “Aida e José”. Vou-te confidenciar, sem receio de que me chames piegas, que me comovo sempre que o faço. É um documento que tem tanto de curto como de profundo e de sentido, que retrata uma família exemplar, imagino que construída a ferro e fogo naquele terreno social hostil. Aliás, estou em boas condições para compreender a problemática e corajosa união dos teus pais porque, já na década de 60, passei por uma experiência semelhante, que gerou um choque familiar e social indescritível.
S. Pedro do Rio Seco e Mata de Lobos estão agora ligados por boas estradas, que os velozes carros percorrem em apenas alguns minutos. Há décadas, este trajecto demorava um dia, mesmo com o auxílio de um forte e esforçado burro. Foi assim, seguramente que, por caminhos e atalhos, o “Avô Moutinho” deixou a Mata, onde tinha as suas raízes, para se fixar definitivamente em S. Pedro. Estou certo que alguns anos passados olhou para trás e terá achado que teria valido a pena este salto gigante, para a época, apesar das inúmeras dificuldades. Eu, que conheço a personalidade, o carácter e a honradez da descendência que deixou, corroboro plenamente esta visão.
Faço-te um apelo sincero: continua a escrever, pois precisamos que perdurem testemunhos e experiências de vida de pessoas humanas e solidárias como tu. Além disso, textos como o que hoje nos irmana são ternos, genuínos, e têm um fino recorte literário. A lágrima no canto do olho deste lamechas foi substituída por um riso, franco e aberto, quando tropeçou no perfil enigmático dos “Queiroses”: filósofos, ensimesmados, pensadores, inadaptados, sempre com os atacadores dos sapatos desapertados… Que auto-retrato fiel e bonito! O outro Queirós, o grande Eça, não desdenharia de o fazer.
Sinto-me honrado por ter um amigo assim: inteligente, solidário, empreendedor e amigo do seu amigo. É certo que já perdeste alguma irreverência, que te ficava bem, mas, em troca, adquiriste maturidade, que aliaste à arte para transmitir bem os teus “estados de alma”. E, já agora, aceita um humilde conselho: contínua com os atacadores desapertados. Afinal, se alguma vez te enredaste neles, o desequilíbrio foi momentâneo, sem interferir na tua marcha segura e firme.
Nesta hora de festa, de camaradagem e de emoções fortes, aceita um grande abraço que é extensível aos teus irmãos (recordo tantas vezes cenas partilhadas com o António !) e aos amigos presentes.

Álvaro

domingo, 23 de agosto de 2009

Pedro, Sérgio e Miguel

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Pedro

Nunca conheci a avó Aida. Mas há pessoas com quem estamos todos os dias das nossas vidas e que também nunca chegamos a conhecê-las.
Pelo que sei a avó Aida educou quatro grandes homens, com dificuldades que eu e os meus primos não podemos sequer imaginar. Ela deu o seu melhor em condições difíceis, e mesmo assim conseguiu passar os valores certos não só a uma mas a quatro pessoas. É esse o seu maior legado.
Ela deu o seu melhor todos os dias e abdicou das outras coisas supérfluas para que os seus filhos tivessem o melhor possível... e no fundo essa foi a maior dádiva e lição que ela me deu neste momento... agarrar a vida, acarinhar e sacrificarmos-nos por aqueles que nos são importantes... só assim conseguiremos dar um sentido a tudo o resto
Um beijo grande Avó Aida.

Pedro Queirós

Sérgio
Carta para a Avó Aida,
Eu sou o Sérgio; o sexto neto da avó Aida, o segundo filho do Luís.
Infelizmente, nenhum de nós, dos oito netos, teve a oportunidade de te conhecer. Já ouvi falar muito de ti Avó, sei que eras uma excelente pessoa e uma mãe muito querida.
Este blog tem-me ajudado a perceber mais sobre a tua pessoa e saber histórias que guardarei como minhas,
Um grande beijo Avó,

Sérgio Queirós

Miguel

Não a conheci pessoalmente, não tenho histórias para contar. Era uma mulher de armas segundo me contam, educou os filhos com o meu Avô em África e como boa mãe fez deles os grandes homens que agora são! São para mim estas pequenas coisas que caracterizam a Avó Aida e se me perguntam como era a minha avó eu digo: uma mãe dedicada, uma mulher simples, do povo que sempre conservou os seus ideais, estou enganado?
De certo que não, pois quem passa por São Pedro, quem desce a lancha do forte, quem conhece a Tia Alice a Tia Celeste e todas as pessoas que por ali andam percebe e idealiza como seria a minha avó e decerto que não estou muito longe da verdade. Eu pertenço à primeira geração Queirós que não passou a sua infância no Rio Seco e vejo todos os contrastes que isso revela e que existem entre o meu pai e eu, a minha educação e a dele, a minha garra e a dele, e por isso concluo e afirmo que a minha avó é uma pessoa, que apesar de já não estar cá, ainda mostra a Portugal muito do seu trabalho através de filhos netos e bisnetos.

Miguel

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

In Illo tempore

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As memórias gravadas no meu disco rígido referentes ao tempo da Casa da Varanda já passaram, algumas para a reciclagem e outras foram mesmo perdidas com os sucessivos ataques de vírus das novas formas de vida.
Assim, é preciso algum esforço para recuperar alguns desses documentos de uma vivência que já vai ficando bastante distante.

Não me recordo, de todo, da ida do Tio José para Angola. Recordo-me , por outro lado, da ida do Tio Luís para Moçambique, vejo as malas, enormes, carregadas no carro das vacas do irmão António para as despachar na Estação ( Vilar Formoso). O tio Luís distribuiu uma boa dose de rebuçados, daqueles embrulhados em papel às cores e que era do melhor que havia na altura, aos mais novos entre os quais deveriam, certamente, estar incluídos os vizinhos da nossa Rua.

Da Tia Aida recordo-me de a ver sentada nas escadas da Casa da Varanda com os vizinhos mais próximos a apanhar um pouco de Sol nos longos e bem frios Invernos de S. Pedro (ainda que por ser S. Pedro não nos tenha trazido qualquer beneficio climático especial). E, porque tinha o marido ausente para os trabalhos mais pesados, plantava, regava na companhia do António que certamente por ser o mais velho já ajudava nesses trabalhos.

A memória vai ficando mais activa e já na Guarda vejo as coisas um pouco mais nítidas. Assim, não esqueço a Tia Aida na cozinha da Casa de Hóspedes com uma energia e voluntarismo acima do normal e, ao mesmo tempo, com um semblante e uma voz sempre calma.
Recordo especialmente do som do martelo dos bifes, a colocação dos mesmos na chapa do fogão de lenha, para logo de seguida ver o prato já arranjado para a mesa. Vejo os clientes habituais a pedir uma das suas sopas e a satisfação com que a degustavam...
E os elogios... A casa de Hóspedes do Ti Queiroz tinha uma Alma... Era a Tia Aida.
Bom, acima de tudo, senti a forma carinhosa com que, digamos, admoestava o Tio José quando ele, mais severo, me dava uma das suas reprimendas por via de alguma nota menos conseguida ou de alguma asneira própria daquela idade. "Oh Zé não fales assim com o garoto". O garoto era eu !.

O tempo breve, a minha juventude, a sua partida precoce não permitiram, nessa altura, os meus agradecimentos. Aqui ficam

Amilcar

Na foto, tirada em dezembro de 1961, estão o Célio, o Luís, o P.A. (irmão do Célio), o Carvalheira e o Amílcar, foi num magusto com castanhas do Terrenho.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Amigo por afinidade

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Foi um comentário que apareceu espontâneo no Blogue que nos surpreendeu pela sua argúcia e sinceridade. Publicá-lo aqui é a nossa forma de agradecer as palavras que ele contém. Aida gostaria de o ler.

Através de um amigo de um vosso amigo que conhece o meu interesse por este tipo de comunicação fui há uns tempos, incentivado a consultar este blog que, a partir daí, passei a seguir atenta e assiduamente.
Posso assim considerar-me um amigo vosso em terceiro grau ou talvez melhor um amigo por afinidade.
E é como tal que assino este comentário. Não por pretender o anonimato, mas mais por considerar que seria abusivo da minha parte incluir o meu nome num conjunto de nomes que têm muito em comum, desde laços familiares a uma convivência ou uma ligação muito estreita com antepassados vossos.
Feita a minha apresentação, começo por felicitá-los pela ideia que tiveram em procurar transmitir aos vossos descendentes toda a carga do vosso passado.
E, se na minha análise crítica, começaram por pretender homenagear os vossos progenitores, parece-me que ultrapassaram em muito o projecto inicial, já que nesta homenagem acabamos por ver incluídos antigos amigos e vários familiares e focados aspectos que ajudam, especialmente aos mais jovens, a compreender o temperamento medievo que nos caracteriza e de que ainda não nos libertámos.
A interpenetração entre relações familiares e de vizinhança, num modo de produção de subsistência e uma tendência para uma estratificação entre a classe rural e uma classe com pretensa ascensão à pequena burguesia, podem repescar-se em alguns dos textos e foram, em minha opinião características marcantes da nossa sociedade na primeira metade do século XX.
Por outro lado, é também visível a subtil influência das mulheres nas grandes decisões, numa sociedade que era profundamente machista.
As formas, veladas ou explicitas, de revolta contra as condições de vida e contra vários preconceitos, como era o caso de mães solteiras, com as trágicas consequências que daí resultaram, são também aflorados, às vezes de forma sublime, em alguns dos textos.
Também percebemos, através das linhas ou entrelinhas destes pequenos textos que o regime, apesar da sua extensa base de sustentação e do forte apoio da igreja, se defrontou com núcleos de oposição mesmo nos lugares mais recônditos, não obstante a suas formas de organização serem em grande parte dos casos muito incipientes.
Não queria terminar sem os felicitar pela forma como assumem, sem falsas modéstias, a humildade das vossas origens e orgulho nos vossos ascendentes, reconhecendo-lhes o contributo que tiveram para a vossa formação.

Amigo por afinidade

album(6)

A última fotografia




Foi no casamento do Norberto, no dia 28 de Setembro de 1969, era um domingo. O casamento foi na Capela de Nossa Senhora do Carmo que fica na estrada antes de chegar à Covilhã, quem vem da Guarda. Viajámos de Lisboa para a Guarda num carro muito velho que eu tinha comprado, por quatro contos, ao Rui Peixoto, era um Standard Eight, deveria ser dos meados dos anos 50. A viajem foi atribulada, chegamos à Guarda de noite, sem faróis. Julgo que o Armando, também ia; sei que regressámos os dois juntos, sem ela, pela estrada de Mora e Ponte de Sôr.
Ela morreria, em Lisboa, no Hospital dos Capuchos, três semanas depois, no dia 19 de Outubro. Apesar de doente e debilitada, suportou a viajem com estoicismo e boa disposição.
Aida só assistiu ao casamento deste filho e nunca chegaria a conhecer nenhum neto

Luís

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Desencontro de datas

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Os nossos pais criaram as condições que puderam e melhor souberam para que os filhos viessem a ter uma vida melhor do que a deles.
O ti Zé Queirós ainda teve a oportunidade de ver e acompanhar a nossa evolução, em termos de formação, profissionais e de nível de vida, mas a nossa mãe partiu exactamente na altura em que estávamos todos a dar os primeiros passos para uma vida melhor.
Foi também na época em que poderia começar a fruir de uns merecidos anos mais calmos e descansados, depois da vida árdua que sempre teve que enfrentar.
Não é justo.
Assim como também não é justo que tenha havido um desencontro de datas que não lhe permitiu partilhar com o ti Zé Queirós a possibilidade de, pelo menos um dia, se poder manifestar e viver em liberdade, sem necessidade de se conter e de se manter permanentemente alerta, não fosse algum de nós manifestar algumas daquelas ideias que oficialmente tínhamos que repudiar.

Armando

(Foto A. André)

Querida Avó Aida

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Eu sou a Luísa, tua neta. Tu não me conheces mas eu conheço-te. Como tu não tiveste filhas, se calhar com pena tua, eu acho que tu irias gostar de mim. Escrevo-te esta carta para te falar um pouco da minha vida. Tenho 17 anos, sou uma adolescente. Acabei este ano o nono ano.
Adoro cavalos, faço equitação. Em Almeida, adoro montar no Picadeiro de lá, o Sr Pereira já me conhece, tratam-me todos bem e gostam de mim.
Tenho que te falar também do Whisky, o nosso cão: é muito meiguinho, é quase como se fosse mais um da família, vai connosco para todo o lado. Não te falo do meu pai, tu se calhar és a pessoa que o conheces melhor, ele esteve 9 meses dentro de ti, mas digo-te que gosto muito dele, apesar de às vezes ser um bocadinho chato, mas às vezes até tem razão.
Mas eu gostava que tu conhecesses a minha mãe Paula: é a que está comigo na fotografia. Eu acho que ela é um bocadinho como tu foste, tudo anda à volta dela. Todos gostamos muito dela, até os meus os meus irmãos mais velhos que não são filhos dela, e o whisky, claro, nem se fala. Quando eu for velhota, hei-de fazer um blogue para ela.

Com muitos beijinhos
A tua neta Luisa

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Luis Carlos e Tiago

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Eu sou o primeiro neto da avó Aida, que, infelizmente e com muita pena minha, nunca nos conhecemos, pois ela desapareceu um ano antes de eu nascer.
Tudo o que sei e conheço é o que por vezes vem á conversa no meio familiar, e agora o que está relatado neste maravilhoso blogue, pois assim posso eu e toda a gente saber da vida e história não só da minha avó, mas também de outros familiares que com ela tiveram o privilegio de conviver.
Serve este pequeno texto para agradecer a todos quantos participam neste blogue e dão a conhecer a historia da minha família, algumas já conhecia, mas estou já a pensar no futuro, naqueles que vão nascendo e engrossando a família, e que um dia mais tarde, têm aqui um utensílio de grande utilidade para ler e saber quem eram os seus antepassados


Luís Carlos

Nuno e Rodrigo

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Sou o terceiro neto da avó Aida, pessoa que não conheci, mas que fui conhecendo pelas histórias que me contavam.
Durante minha infância, fui criado pelos meus avós maternos e sei a importância que os mesmos tiveram no meu crescimento ao longo dos vários anos. Estes foram os grandes responsáveis pelo homem em que me tornei hoje. Fizeram um excelente trabalho.
Esporadicamente fui tendo contactos com o avô Zé, marido da avó Aida, que se tivesse tido oportunidade de ter mais aproximação com os meus avós paternos, com certeza que iria ter mais valores para a minha vida. Infelizmente não foi possível pois a avó Aida faleceu pouco tempo depois do casamento dos meus pais.
Sempre pensei que a avó Aida tinha morrido na consequência de uma queda nas escadas da “casa da varanda”, tal como o Salazar devido a uma queda de uma cadeira, mas desgraçadamente uma doença que acompanha milhões de mulheres (cancro da mama), foi a que a fez ir embora para um lugar, que por mérito próprio, conquistou ao lado dos anjos que preenchem o céu.

Até a minha sogra, que viveu na Guarda, conheceu os meus avós através da tasquinha do Sr. Queiroz situada no Largo dos Correios, e que frequentava por vezes, e que me diz que eram pessoas muito simpáticas e afáveis.
Dei o primeiro contributo para a continuação da família – o Rodrigo – que é o primeiro bisneto da avó Aida e que é um felizardo pois pode contar com todos os avós que o adoram, sentimento esse que é reciproco.
As pessoas só morrem definitivamente quando são esquecidas e esta iniciativa é a prova de que a avó Aida permanece e permanecerá sempre nas nossas memórias.

Nuno Queiroz

o Tio António

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António Queirós era o filho mais velho de Francisco e Cândida, teve uma vida difícil, irmão mais velho parece que é sempre mais sofrido. Conheci-o com lavoura estabelecida, vacas, vitelas, carro de bois, trabalhava como um escravo, mas na verdade ele foi um intelectual falhado. Escrevia com uma caligrafia elegante, a traduzir um pensamento lúcido, se fosse preciso fazer alguma exposição ou escrever uma carta ao "Salazar", isso era com ele. Como comenta o Armando:

"A propósito da sua vocação para a escrita há um caso que ilustra bem esse facto. Havia em S.Pedro uns rendeiros que tinham um problema com os proprietários das terras e que habitavam em Lisboa. Para resolver a questão pediram ao ti António Queirós lhes fizesse uma carta, expondo as suas razões.
Em resposta a essa carta os senhorios comunicaram que aceitavam os argumentos expostos mas acrescentavam, um pouco como censura, que poderiam ter tratado do assunto directamente, sem necessidade de se terem dirigido a um advogado para lhes fazer a carta."

A vida foi madrasta para António, ficou-lhe a mágoa duma ida para o Brasil que abortou em Santos, foi a doença que o recambiou de volta, mas eu acho que António não tinha feitio para se misturar nas "manadas" de emigrantes que iam para os cafezais do interior do Estado de São Paulo. Ele pensava com a própria cabeça, pagou por isso. Francisco viu nisto um fracasso e contabilizou o prejuízo das despesas sem retorno, não lhe perdoou, ficou uma relação amarga que Cândida tentava apaziguar.
Eu frequentava muito a casa dele, o meu primo Amílcar tem a minha idade, havia a casa nova e a casa velha onde brincávamos longamente, íamos levar as vacas ao Pedro Chamusca ou ao Barroco do Bicho, de onde o tio António certo dia trouxe um enorme verdugo. Às vezes ia com o tio ao Vale de Igreja onde fazia umas regadeiras enormes para enxugar a terra. De lá trazia feixes de canas de milho às costas, as pessoas da aldeia perguntavam por que é que António não arranjava um burro! Toda a minha fraca cultura da lavoura, os nomes das peças do arado, do carro de bois, das operações sobre a terra, lavrar, aricar, gradar, debruar, tudo aprendi com ele...
Falava-me da minha mãe com muita ternura, ele também apreciava e valorizava as qualidades da cunhada Aida.

Luís

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

África minha

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José Queirós emigrou para Angola em 1948. A vida em S. Pedro corria mal ao jovem casal, não tinham lavoura nem propriedades que lhes permitissem viver do amanho da terra, não tinham vacas, nem burros, nem cevavam porco. José tentava tudo mas tudo era pouco: fazia barbas, ofício que aprendera em solteiro, num estágio na Calçada de Carriche, em Lisboa, com o primo Zé Carpinteiro, matava uma ou outra rês que ia buscar às feiras de ano ou aos "dias oito", e vendia a carne em S. Pedro, contrabandeava umas garrafas de Pedro Domecq que despachava para Elias, no Porto. Os magros tostões não chegavam, eram seis bocas para alimentar, não havia, nessa altura, rendimento mínimo garantido.

Foi Aida que se lembrou de recorrer à prima da Mata, Amélia Cavaleiro, sobrinha de João Moutinho. Era esta prima casada com Aníbal Madeira que tinha em Angola a firma Madeira e Marques, uma daquelas empresas que prosperaram no tempo colonial, recolhia produtos locais, vendia aos indígenas, em troca, todo o tipo de utilidades, bicicletas, louças, panos, roupa usada, tudo pago em coconote. José foi parar ao Sumba, perto de Santo António do Zaire, não longe da margem esquerda do Grande Rio.

Várias vezes conversei com ele sobre a vida nesta cantina do mato, longe de tudo: havia mais dois ou três brancos, José adaptou-se bem, observava os costumes dos naturais, comparava com os seus, tirava as suas conclusões. Ele falou-me de quase tudo: das jibóias, das pacaças, dos mabecos, de Zama, o deus indígena, do seu sucesso, um branco com "inteligência no cabeça".

Muitas vezes penso como terá sido a vida deste homem, seis anos isolado nas profundezas de África, sem nunca ter vindo a Portugal. José era um homem novo, tinha 36 anos quando partiu, um homem desta idade está na flor da vida, não é um monge, o sangue aflora à pele, ah como gostaria de ter conhecido melhor o seu dia a dia, as suas tentações...
A S. Pedro chegavam de vez em quando umas cartas que traziam um cheque da firma Madeira e Marques, o certo é que os filhos viviam amparados, Aida sossegava, aos domingos, os miúdos de cara lavada, já havia quem comentasse: "são os filhos do africano."
Quando regressou, doente, pindérico, num sobretudo azul, trouxe-me uma esferográfica, mas eu ganhei um pai, na verdade ele esteve sempre no meio de nós: Aida cuidava disso.

Luís

domingo, 16 de agosto de 2009

Memórias da Alma

A primeira vez que fui a S. Pedro o rio ia seco. Era Verão, numa das muitas férias que nos deslocavam da Invicta até Almeida, onde a família está radicada, e interligada, desde o séc. XVIII. Na altura a minha admiração, e recordo-me, foi de estupefacção, apesar da tenra idade que tinha, pois estava habituado a planar o olhar na turbulência das águas que ladeiam as margens do Porto e de Gaia: para mim todos os rios eram assim e aquele não.

O rio corria seco, bordejando nas margens uma vegetação que teimava em sobreviver, e questionava-me das causas e motivos pelo qual S. Pedro, o primeiro Papa da nossa igreja, não enchia aquele regato para deleite da massa humana que ali habitava.

O meu pai nasceu em S. Pedro, e baptizaram-no de Elias. O sobrenome Augusto foi-lhe dado em memória do tio Porfírio Augusto, irmão da mãe Laura, que casou, após viuvez, com António Baptista Borges, natural de Rebordãos, aldeia distante de Bragança, cerca de 6Km. Também o meu nome e sobrenome do meu irmão Américo seguem nessa tradição, associados ao ramo transmontano.

Vivíamos no Porto, cidade que acolheu minha mãe, Maria de Fátima, após casamento com o seu primo Elias. Lá se encontravam alguns tios, a Albina, a Luísa e o Manuel, assim como os seus filhos, primos com quem deambulávamos pela urbe, tendo sempre como referência a Laurinha, a minha irmã mais velha.

Quando vínhamos a Almeida, e recordo-me, íamos visitar a tia Aida à Guarda. Estacionávamos num largo, frente a um edifício revestido com azulejos avermelhados, e íamos cumprimentar os tios. De quem eu mais me lembro é do tio Norberto. Alto, muito alto, era para mim um mistério. A imagem que tenho dos meus primos é tardia, mas sempre se falava neles. Do António identificava-o como residindo na casa que foi do Marechal Carmona, em Lisboa, do Norberto a sua ligação à cidade da Covilhã, o Armando como inseparável da Fátima e do Luís a memória associava-o a um FIAT 600, carro que uma vez levou ao Porto e onde, teria alguns 7 anitos, me levou a passear e segurar no volante: foi para nunca mais esquecer.

A tia Aida, apesar da sua reduzida estatura, era, sem dúvida, o esteio do núcleo familiar, na tradição do exemplo da avó Maria Retta, que juntamente com o avô João Moutinho (naturais da Mata de Lobos, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo) remaram contra as contrariedades da vida, mas que quiseram, tal como a neta, repousar em S. Pedro, onde o rio vai, normalmente, seco.


Augusto Moutinho Borges

sábado, 15 de agosto de 2009

A casa da Guarda

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A vida de Aida reparte-se por três casas: a casa do Meio do Povo, a casa da Varanda e a casa da Guarda. Na casa do Meio do Povo, em S.Pedro, ela foi princesa; na casa da Varanda foi esposa e mãe: na casa da Guarda, ela afirmou-se e foi Mulher.
Ainda se pode ver na foto uma placa oval que dizia " Casa de Hóspedes Queirós", naquele tempo seguia-se a grafia oficial ninguém discutia se Queirós era com "z" ou com "s". A casa já tinha sido antes "Louro" e antes disso " Fragoso" e creio que também já tinha sido "Celeste". A renda era de 600 escudos/mês, o trespasse custou 42 contos, uma fatia considerável da fortuna de 80 contos que José amealhara no calores de África. Foi o Zé Vitorino através de um amigo, o Armando sabe o nome, quem descobriu a casa e calculou que seria um bom negócio, o lugar era único na Guarda, as camionetas de carreira a despejar magotes de pessoas de todo o distrito.

Nos anos 60 era ali o coração da Guarda, o largo palpitava de vida, às seis da manhã saía a do Amândio Paraíso para Viseu, às oito a do Tonico para a Covilhã, a dos Hermínios ia para Seia, a da Viúva Monteiro ia para o Sabugal, a "Pacheca" ia para Lamego, era a "estação central" da Guarda. A nossa casa era o ponto de encontro, restaurante, bar, pensão, escritório. No final da tarde quando o movimento acalmava, vinham os polícias beber um copo de vinho com um petisco da ti Aida, vinha o Pinho e o Mineiro, fiscais da intendência, uma especie de ASAE, eram visitas permanentes.

À noite a casa sossegava, Aida podia repousar um pouco, passava o ainda António Cesteiro de Gonçalo, o Sr. Cristo da relojoaria, o Sr. Vitória ou o Sr. Alcides da drogaria para um último copo.
No dia seguinte logo pela manhã, vinha a tia Maria do Leite da Póvoa do Mileu, a Sra Judite das Lameirinhas com a roupa lavada e passada, o Sr. Faneca (o Armando diz que não era este o nome, eu insisto), trazia o peixe. Um da casa Pom-Pom trazia a mercearia, até ao dia em que Zé Queirós se lembrou de pesar o bacalhau.
Da Vela vinha, às vezes, uma velhota, de burro, que trazia carqueja para acender o fogão.

Nas feiras do S. João e do São Francisco a casa adquiria um movimento fora do habitual, às vezes o padrinho e a madrinha vinham ajudar, não podemos esquecer a tia Celeste, seria uma injustiça, lembra o Armando. Aida geria grandes panelas de sopa, carne guisada, bacalhau cozido, bifes, havia fartura de tudo. No final da feira gostava de ir visitar as barracas, gostava dos barros de Barcelos, ia com a ti Judite, com a Conceição ou com a Patrocínio, era aquele o único momento de lazer que eu lhe conheci. Nunca teve férias, nunca reclamou do trabalho, os fregueses eram amigos, os vizinhos gostavam dela, tinha tempo para tudo e para todos.

Luís

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Os bons malandros do Liceu (4)

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Vá sentai-vos aí

Dos "malandros" do Liceu, o Veiga tem um lugar especial, pois é uma daquelas amizades que resiste a tudo. O Veiga acompanhou-me desde o primeiro ano do Liceu. Nos anos 60 frequentava a casa da Guarda, tempos que aqui evoca


«Vá, sentai-vos aí!» – era, a um tempo, uma ordem a requerer cumprimento e um convite acariciador que ouvíamos enquanto, com um gesto largo, nos indicava alguma mesa vaga no reservado. Logo à entrada, atravessando o espaço aberto da taberna, o Ti Zé Queirós saudava-nos cordialmente, com a satisfação de quem vê que o filho – é do mais novo que falo – ia bem encarreirado nas amizades que travava, que ambos, pai e mãe, conheciam da observação atenta a que não escaparia algum deslize de mau porte, se o houvesse, e ainda mercê de alguma informação obtida por mor da sua actividade de taberneiros, a cuja casa sempre iria parar uma ou outra alma da terra de cada um, e por isso mesmo apta a prestar esclarecimentos concernentes à família e mormente à rectidão da educação inculcada desde o berço.
Os que integrávamos o grupo de amigos mais próximos, que vinha desde o início do liceu, eu, o Rodrigues e o Célio (que deixou ceifar a vida aos 49 anos, em 1994), pelas bastas idas lá a casa, à habitação propriamente dita, para além do espaço que era a taberna, estávamos certificados como gente que não desmerecia do filho. E fora ali que o Carvalheira encontrara poiso para a mala de poucos haveres, durante um ano lectivo, quando viera do Fundão, onde se gastara três ou quatro anos nas bafientas casernas do seminário, e por essa via ficou bem conhecido da casa e adquirira igual certificação de qualidade. Mais tarde veio juntar-se o Jacinto, que de Lisboa rumara à Guarda para o 3.º ciclo do liceu (os 6.º e 7.º anos na nomenclatura de então), e que cedo alcançou o merecimento de integrar o grupo, já então bem coeso; e, integrar o grupo, era, no caso, obter a confiança da família Queirós.

Sempre atenta aos fregueses, costumeiros ou de rara ocasião, era em nós, contudo, depois dos seus, que encontrava a satisfação maior de bem servir. O discreto sorriso que se desprendia da sua face e a ternura que emanava do olhar em que nos envolvia, julgo apropriado dizê-lo, atestavam amor de mãe pelos filhos de outras mães, como que num prolongamento da sua maternidade!

Não era a toda a hora que ali almoçávamos, bem entendido, que cada um tinha a sua hospedagem de estudante e tinha custos a vida de todos; mas lá íamos, uma que por outra vez, sem constrangimento nem rópia, compenetrados do respeito e da estima que recebíamos e de que ficávamos devedores a toda a família, mas particularmente a si, que nos acolhia como filhos para além dos seus próprios. E também os três mais velhos não nos viam como intrusos, não sentiam o seu espaço invadido nem diminuída a atenção que sobre eles se derramava enquanto filhos. Afinal… o pai e a mãe tinham-nos educado na filosofia simples de saberem dividir com outros o que fosse seu, mesmo se pouco fosse!


A ti Aida caminhou o seu trilho bem depressa, sem cumprir o ciclo de vida que era seu. Finou-se aos 58 anos, em 19 de Outubro de 1969. Foi a sepultar em S. Pedro do Rio Seco. Fui dizer-lhe adeus.
Partiu, mas ficou presente. Ficou presente e continua presente nas frequentes ocasiões em que, a talho de foice ou não, a sua recordação, a sua imagem, a sua filosofia de vida e o seu nome vêm à baila nas conversas que rondam o nosso passado na Guarda que nos viu crescer e no Liceu onde adquirimos formação, as partidas inócuas que foram nossa diversão, a intensa aprendizagem da vida que fizemos então.
É a Ti Aida! Assim dito, no presente…


Luís Veiga

Tio Luis

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Não podia o tio Luís deixar de figurar no grupo de pessoas que emolduraram a vida de Aida. Antes de partir para África, em 1948, uns meses antes do nosso pai, Luís frequentava com assiduidade a casa de Aida e brincava com os seus filhos de tenra idade. E já ia augurando um destino promissor para eles. Nasceu uma grande admiração pela cunhada Aida, certamente fruto de uma identificação intelectual e do reconhecimento da sua cultura e inteligência.

Já escrevi sobre as qualidades do Tio Luís, uma capacidade inata de resolver problemas técnicos, uma inteligência geométrica superior, uma sensibilidade única para as questões sociais, um sentido inato de justiça. Utilizava as ferramentas com uma destreza excepcional, mas também com a delicadeza dos grandes artistas. Era amigo da família até ao limite, justamente orgulhoso dos filhos e netos que teve. E, tenho a certeza, orgulhoso também dos sobrinhos.

Casou com uma mulher única, a tia mais maravilhosa que existe à face da terra. Aida foi a Madrinha deste casamento, estou seguro que ficou encantada com a missão. Terá sido o irmão mais velho 10 anos, José Queirós, que um dia, quando Alice passava, trigueira e moça, diz para Luís: “Ali vai a menina que te convém”. E o certo é que haveriam de casar e construir juntos uma família feliz.

Luís

Nós também somos.

A nossa Rua (desculpem lá este sentido de posse), é hoje uma rua deserta como as da grande parte das aldeias do interior. Tem casas recuperadas, já existem casas de banho e antenas de televisão, mas nenhuma das casas é permanentemente habitada. Por vezes, em especial no verão, aparecem uns nostálgicos com filhos e netos que dão um certo colorido à zona.
Agora é uma rua limpa, não tem bostas, cagalhões, caganitas e outros dejectos cujos nomes fazem parte da nossa cultura.Mas também não tem pessoas, galinhas, burros, porcos, vacas cabras, ovelhas. Numa palavra, não tem vida.

A nossa rua ganhou um nome – 25 de Abril – escolha que lhe assenta bem em homenagem póstuma a antigos moradores. O Tó Preto que, na altura, presidia à Junta, confirmou que a atribuição toponímica não terá sido aleatória, e teve em conta o facto de ser a rua do ti Zé Queirós. Se assim foi, a escolha terá sido acertada, não só em homenagem ao nosso pai mas também aos nossos vizinhos que numa altura difícil de luta pela sobrevivência nunca assumiram, como o ditador, “dever à Providência a graça de serem pobres”. Digamos que, na linguagem da época, seria uma rua do “reviralho” e que alguns, mais próximos das ideias dominantes, apelidavam de “bairro vermelho”.

Não consigo já precisar bem a extensão deste núcleo “do contra” mas parece que, para além dos três irmãos Queirós (António, José e Luis) incluiria o ti Bernardo Limão, os Morgados, e outros que não eram propriamente vizinhos, em termos geográficos, como é o caso dos irmãos Caldeira.
A sua participação foi, porventura, muito modesta e limitada às suas possibilidades. Não derrubaram o regime, mas vontade e esperança não lhes deve ter faltado.
Nas contribuições monetárias, talvez de alguns magros tostões, para os que lutavam activamente contra a ditadura assinavam ; “nós também somos”.

Armando

(foto:A. André)

A Lancha do Forte

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A lancha do Forte fazia parte do bairro onde fomos meninos, era como se fosse uma coisa nossa. Tinha um escorrega natural, bem desenhado, que fazia a nossa delícia, nunca lá vi crescer musgo. Parecia que aquele barroco foi posto ali com aquela função. Na festa grande colocavam lá um mastro e umas bandeirolas. Era o centro do povo, era dali que se gritava " Ó Barro!" quando alguém era chamado a pagar o vinho. Na brisa do fim da tarde era ali que se limpava o feijão e o grão...

Julgo que o nome terá a ver com um forte que existiria eram S. Pedro e que é referido pelo pároco nas inquirições de 1758, ordenadas por Pombal. E, de facto, não há em S. Pedro melhor local para construir um forte do que aquela lancha.

Nas noites quentes estivais sentava-me ali com o padrinho Norberto, à espera que a casa arrefecesse, observávamos a estrelas, sobressaía o "setestrelo" sempre inconfundível, os aviões com as suas luzes a piscar, e uns satélites que vieram a seguir ao "Sputnik" e, quais planetas reflectores da luz solar, deixavam-se ver cá de baixo. Ali víamos as estrelas cadentes riscar o céu, recordavam os mais velhos a "chuva de estrelas" de outro tempo, colocavam imaginação na recordação.

A Lancha do Forte era o nosso observatório preferido: dali víamos chegar a camioneta ao Carril, dali víamos o arraial de Almeida, os foguetes de lágrimas da Senhora da Ajuda ou da Santa Eufêmia.

Deixo mais duas fotografias do tio Elias, do início dos anos 50, Zé Queirós em África. Numa delas aparece a inesquecível Tia Faustina, mãe da Madrinha, que estava sempre a fazer meia; era de tal modo caridosa que deixava, por vezes, a madrinha arreliada: quando passava um pobre de pedir, alguma coisa logo desaparecia lá de casa, uma farinheira, umas batatas, uma tripa de banha...
Faustina conhecia e ensinava-me as canções do cancioneiro religioso, alguns versos ainda me ecoam, ritmados, nos ouvidos

Andorinha gloriosa
Tão bonita como a Rosa
Quando Deus aqui nasceu
Todo o mundo estremeceu...



Luís

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

almoços familiares

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No final de Dezembro de 1990, com o desaparecimento de José Quseirós, Pai, Avô, Sogro... todos sentimos mais a falta de convívio em família e alguém pensou numa forma de nos juntarmos ...e assim, logo nesse ano, surgiu a iniciativa de organizar encontros da família Queirós de uma forma regular .

Eram os almoços familiares.

Umas vezes em S. Pedro do Rio Seco, outras vezes em Lisboa e até, algumas vezes, a meio do caminho entre estes pontos de referência da família ...
Cada ano ia sendo organizado de forma rotativa por um dos netos de Francisco e Cândida Queirós... Muitos já foram os almoços que foram organizados pelo Luís, António, Norberto, Armando, Carlos, Luísa e Amílcar... E um deles até foi organizado pelo Tio Luís e pela Tia Alice.

Recordamos alguns:

Em 1995 ... Em S. Pedro do Rio Seco
Em 1997 ... Em Folgosinho
Em 1999... Em Almeida
Em 2002 ... Em S. Pedro do Rio Seco
Em 2004 ... Na Chamusca


Estes almoços, para além do convívio sempre importante numa família que se preze, também se juntou algo de lúdico e didáctico, jogos, apresentações, brochuras, etc.. . sobre as origens e as características desta família e também dos costumes da sua terra.

Numa família em que o número de homens supera em muito a presença feminina, muita falta fez a mãe, tia, avó, cunhada, a amiga Aida, para os unir. Mas, estou certa, o sentido de família que ela deixou aos filhos é um dos motores destes encontros que toda a família gosta.

Mas como a família se tornou numa família muito ocupada, infelizmente, estes almoços não têm sido feitos todos ao anos. Mas esta homenagem à Mãe vem, de alguma forma, recuperar o sentido desses almoços e colmatar a sua falta.


Paula

Tio Elias

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Foi o tio Elias com a sua máquina de fole que permitiu que a nossa infância ficasse documentada. Em setembro, vinha passar férias a S.Pedro e trazia com ele a civilização urbana. Coisas tão simples como "bife", "banana", "after-shave" conhecia-as eu com ele. Por isso, a vinda do tio Elias era sempre muito esperada e festejada. Foi ele que me deu a minha primeira bola, e o primeiro relógio de pulso que eu usei da marca "Mila", foi também ele quem mo deu.

Trazia a sua máquina de fole já carregada e, em S. Pedro e Almeida, ia registando as cenas familiares

Hoje espanta-me ainda o facto de ele ter sido capaz de se adaptar ao desconforto da aldeia, à ausência de casa de banho, ele que já vivia no conforto da grande cidade.

O tio Elias era uma pessoa afável, tinha um fino sentido de humor. Organizava as suas colecções, de seringas. de biberões, de moldes de ourives, com ordem e com gosto. Ele gostava de Aida e dos filhos de Aida e eles retribuiam-lhe com amizade e respeito.

Luís



quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Perdoe-me Senhora Aida!

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Passados mais de cinquenta anos ainda não é fácil falar, de uma forma impassível, da filha mais nova do ti Morgado - a Cândida. Já não há muitas pessoas a lembrar-se desta jovem, da vida que levou e da forma abrupta como nos deixou.
Tendo ficado órfã de mãe que não sei se terá conhecido e com uma irmã mais velha – a Adelina - já casada e a residir noutra localidade, teve que assumir, numa casa rural, tarefas que pela idade, ainda não estaria preparada. Pela sua postura e comportamento era admirada e acarinhada, por toda a vizinhança e mesmo por todo o povo. No entanto, estou certo que não terá sentido durante a sua curta vida grandes manifestações de afecto, se tivermos em conta a dificuldade, talvez pelas ásperas condições de vida, que toda aquela gente sentia em se relacionar de forma afectuosa.

Com a nossa família manteve sempre uma grande proximidade, nomeadamente com a nossa mãe que tratava de forma respeitosa por Senhora Aida e que, em certos momentos, terá porventura assumido o papel da conselheira maternal que não teve. Lembro-me de muitas vezes ao fim da tarde, ela pedir à minha mãe para que eu a acompanhasse a levar a ceia ao pastor que era o ti Morgado, seu pai, e que dormia numa choça que ia mudando de local conforme a disponibilidade de pastagem. Fui, assim, algumas vezes com ela ali para os lados do Malavado, levar a ceia ao ti Morgado. Regressava, por vezes, já noite escura, sendo talvez essa razão para gostar de ir acompanhada.

Numa ocasião a Cândida deslocou-se à Freineda, para ver a irmã mais velha; não regressou por causa de uma qualquer doença súbita, bastante grave, dizia-se. As mulheres e moças de S. Pedro começaram a deslocar-se diariamente, em pequenos grupos, à Freineda para ver a Cândida, comentavam a evolução da doença. Ninguém sabia dizer qual era o mal, tendo surgido todas as hipóteses que as imaginações nestas alturas permitem.A nossa mãe ficou preocupada por ter verificado, no dia em que lhe coube a visita, que se tratava de um caso com alguma gravidade e ficou bastante intrigada por a Cândida lhe ter pedido perdão.

Até que numa noite, parou um carro na nossa rua à porta dos Morgados e a nossa mãe depois de confirmar o que já palpitava, foi acordar a Tia Alice a quem pediu para fazer um vestido branco para amortalhar uma noiva que nunca seria.

Algum tempo após este fatídico dia, as mulheres começaram a ter umas conversas que nós – os garotos – não percebíamos muito bem, até porque elas evitavam ser muito claras na nossa frente. Falavam em nomes de homens, uns solteiros outros casados, teria sido de sua livre vontade, teria sido forçada. Mas percebiamos, pelas conversas, que a Cândida se teria deslocado à Guarda para resolver um problema.

As coisas teriam acalmado naturalmente não fosse uma figura sinistra, que permaneceu durante uns anos lá na terra, se ter referido ao caso, num discurso duma missa de Domingo. Condenava ele, abertamente, o uso daquele vestido branco, símbolo da pureza, por quem já não o merecia. Mas nós – os garotos – só viríamos a perceber tudo isto quando deixámos de o ser.

Armando

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Férias de Verão na Guarda

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A minha primeira recordação da Tia Aida reporta-se ao longínquo ano de 1959, era eu uma criança, na sequência de uma viagem que a mesma efectuou ao Porto para visitar a mãe Laura e os irmãos Elias, Manuel, Albina e Luísa. Esta visita foi registada em duas fotografias, coisa rara naquele tempo, sendo uma em casa dos meus pais e a outra na residência do Elias tendo por companhia a sua mãe Laura.
No entanto, já antes deste conhecimento pessoal, recordo perfeitamente que já a minha mãe Luísa se referia à irmã Aida com grande respeito, carinho e admiração, realçando a sua bondade e simpatia. Contactavam telefonicamente com frequência, sendo certo que existia mutuamente uma grande amizade e admiração.

Mais tarde, a convite da tia Aida, tive a felicidade de embarcar no Porto de comboio com destino à Guarda e mudança de carruagem na Pampilhosa, carregando uma pesada mala de cartão para gozar as férias grandes do Verão. Teria cerca de onze anos e fui cheio de expectativas, já que se tratava da minha primeira escapadela de casa para uma cidade que só conhecia do mapa, e para o seio de uma família praticamente desconhecida.
As expectativas excederam tudo que imaginava. Fui muito bem recebido pelos meus tios Aida e Queiroz, e pelos meus quatro primos que na época ainda eram solteiros e viviam com os pais. Devido à diferença de idades, eu fui o puto que de repente apareceu nas suas vidas, invadindo o seu espaço e alterando a sua vivência diária. Ao princípio, estranhei o movimento e a confusão da pensão e do restaurante, sempre cheios de clientes, no entanto depressa me habituei e sentia-me realizado e importante a ajudar o meu tio Queiroz a servir bebidas ao balcão. No meio de toda aquela azáfama, sobressaía a tia Aida, com a sua voz calma e suave o seu sorriso constante, qual comandante de navio, que tudo controlava desde o balcão sempre repleto, passando pela cozinha a preparar e a servir refeições e terminando na pensão supervisionando as mudas e limpeza dos quartos. Sempre notei que entre a tia Aida e o seu marido existia uma grande cumplicidade e carinho, sendo de realçar a harmonia existente na família Queiroz, apesar das naturais dificuldades de conviver num espaço partilhado com clientes, existindo por parte destes um grande respeito e amizade pelos meus tios.
Estas férias repetiram-se mais duas ou três vezes, com algumas pequenas estadias em S. Pedro do Rio Seco em casa dos padrinhos Norberto e Lucília, e em Almeida em casa dos meus tios Elias e Fátima. Recordo estes tempos com saudade e nostalgia, e escusado será salientar que esperava ansiosamente a chegada do mês de Agosto para embarcar no comboio rumo à Guarda. Estas estadias significavam novas experiências, o convívio e aprendizagem com pessoas boas e bem formadas, que contribuíram para a minha formação como pessoa. Em especial à tia Aida o meu obrigado por me ter convidado para a sua casa, apesar de toda a canseira do dia a dia, e me ter recebido e tratado como um filho.

Armando Luís Borges Mesquita

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Quatro irmãos, quatro amigos

O António disse uma vez que os irmãos não se escolhem, mas, acrescentou ele, se pudesse escolher, teria escolhido estes. Quase apostaria que qualquer um dos outros irmãos poderia ter dito o mesmo.

Nestes quatro irmãos permaneceu, pela vida fora, a marca da Casa da Varanda, a impressão forte da sua mãe. Seguiram caminhos diferentes, mas mantiveram sempre uma forte ligação entre eles

o António mais velho foi o que conviveu mais com a Mãe. Foi durante os anos em que o pai esteve em África o chefe da família, função que levou muito a sério. Ainda nos lembramos que ele se orgulhava de ter sido capaz de produzir mais sacos de batatas no Malavado do que o meu pai alguma vez fora capaz de produzir. Na Guarda começou, muito novo, a trabalhar na Junta de Energia Nuclear, ganhava 20 escudos por dia, na época era considerado muito bom salário.

O Norberto foi sempre o "relações-públicas" da família; fazia contactos fáceis, amigos por toda a parte, sempre teve jeito para "bricolage", nenhum arranjo lhe causava problemas. Como era o mais bonito e elegante, era também aquele que tinha a preferência das raparigas. Trabalhou na oficina do Sr. Mário das bicicletas, no Largo dos Correios, mesmo ao lado da nossa casa, e trabalhou também num stand de automóveis ao cimo da Rua 31 de janeiro.

O Armando era, em S.Pedro, o guardador da nossa cabra, que um dia, com muita pena nossa, morreu por algum excesso alimentar. Na Guarda foi desde muito novo trabalhar para o F. Gião, que era um casa de electrodomésticos. No primeiro Natal trouxe para casa uma garrafa de vinho do Porto, para nós foi uma grande admiração. Desde logo aprendeu os segredos do negócio, o nosso pai achava que estava predestinado a ser um comerciante.

O mais novo sou eu, tive o privilegio de ter entrado no Liceu. Tive a vida muito mais fácil do que os meus irmãos, os tempos estavam a mudar muito depressa.

Luís

domingo, 9 de agosto de 2009

Três nomes para três casas

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Quando ofereci as três casas do “Canto com Alma” à ASTA eu pedi à sua presidente, a Dra. Maria José, que gostaria que as casas fossem baptizadas com nomes de mulheres de S. Pedro, e ela acedeu de imediato. Os nomes escolhidos para as casas foram os seguintes:

Aida
Nome de Mãe. Já lá vão 40 anos e às vezes parece que estou a vê-la, ainda me aparece nos sonhos, muito calma, parecendo que percebe os sinais e lê tudo o que me vai na Alma.
Era conselheira, confidente, amiga, sempre preferiu a paz ao conflito. Ainda hoje as pessoas mais idosas da aldeia que se lembram dela a recordam como uma mulher superior na bondade e na inteligência.
Na Guarda, na casa de hóspedes, era a alma do negócio; as pessoas vinham comer a sopa que ela fazia como ninguém. Ali reencontrou no comércio a sua paixão de menina, iniciada na mercearia do Meio-do-Povo em S. Pedro. Sentia-se feliz no meio das pessoas, ouvia, conversava, aconselhava.

Lucília
Nome de Madrinha. Foi a segunda mãe, mãe há só uma, eu sei, mas eu tive a sorte de ter tido duas. Às vezes pergunto-me como pode uma mulher que teve 12 irmãos ter morrido tão só. Aí pelos meus doze anos, em vésperas de uma intervenção cirúrgica a que se ia submeter, afinal menos grave do que se supunha, pensei que podia perdê-la. E lembro-me que chorei como só tinha chorado no dia em mataram a nossa gata que deixou uma ninhada de filhos atrás da porta da cozinha onde nós guardávamos a lenha. Hoje, teria um grande orgulho de ver os afilhados, a caminhar prosperamente pela vida.

Ana

Nome de Mulher. São duas as Anas que dão o nome a uma das casas: a minha tia Ana Lourenço e Ana Rodrigues. Ana Lourenço, minha tia, que recordo sempre muito devota, e que eu respeitava e admirava na sua simplicidade e frugalidade. A ti Ana Rodrigues que parecia ser mãe de toda a gente, que eu duvido seria incapaz de comer um bocado de pão ao lado de uma criança com fome, e que transmitiu aos filhos e filhas a sua generosidade infinita.
Mas este nome Ana simboliza também a homenagem à mulher anónima de S. Pedro ou à mulher da beira interior rural. Eu sei que essa mulher forte mas submissa, que aceitava ficar atrás do seu “homem”, já não existe. Mas foi essa mulher que fez dos filhos os homens que eu ainda admiro, trabalhadores, sérios até à medula, e das filhas exemplos de dedicação, de coragem e de espírito de sacrifício.

Luís

sábado, 8 de agosto de 2009

O Manel Morgado

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O Manel, era o mais novo de dois rapazes, filhos do ti Morgado; era um indivíduo astuto e insubmisso a quem a dureza do trabalho do campo e das condições de vida geravam um espírito de revolta permanente, que chegava a provocar uma certa conflitualidade no meio familiar.
Algumas vezes a nossa mãe, com o seu jeito apaziguador e aproveitando-se do respeito que os Morgados lhe tinham, teve necessidade de intervir para acalmar situações mais acaloradas.
O Manel Morgado, na ânsia de se libertar daquele tipo de vida e tirando partido do seu espírito aventureiro, metia-se em negócios que provavelmente nas mãos de outros até poderiam ser viáveis, mas que com ele nunca resultaram.
Lembro de uma vez aparecer com uns relógios que causavam a admiração a toda a gente porque os números ficavam luminosos na escuridão. Simplesmente ainda ninguém usava relógio de pulso em S. Pedro e muito poucas pessoas reuniam condições para os adquirir.
Em determinada altura ingressou na GNR, mas a disciplina militarizada daquela instituição não se adequou, por certo, ao seu feitio rebelde e passados uns tempos estava outra vez na terra.
A última vez que o vi foi no dia em que emigrou para a Argentina. Quando eu ia para a escola, ele estava a porta de casa a chorar. Pegou em mim ao colo e deu-me um abraço de despedida. Mesmo com aquela idade nunca imaginei que pudesse encontrar o Manel Morgado a chorar.
Passado algum tempo, alguém comunicou da Argentina: O corpo do Manel Morgado foi encontrado junto à linha do comboio.
Em S. Pedro ninguém acreditou que aquela morte tivesse resultado da sua decisão.

Armando

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Os tios do Porto

Desde garotos que nos fomos habituando a ouvir falar dos tios do Porto: O tio Luís Borges que quase não conhecemos, a tia Bina de quem existia uma fotografia vestida de enfermeira, o tio Elias, a tia Luísa e o tio Manuel. Eram bastante mais novos que a minha mãe. O tio Manuel nasceu em 1932, já Aida tinha 2o anos, poderia ter sido seu filho.
Laura e António Borges saíram de S. Pedro para Rebordãos por volta do ano de 1938, foi o ano em que Aida casou. Terá o casamento de Aida alguma coisa a ver com esta decisão? O certo é que a venderam tudo o que tinham em S.Pedro. O padrinho Norberto comprou a vinha da Nave.

Sei que Aida passados alguns anos ainda foi visitar a família a Rebordãos junto com Lucília; fez mais tarde duas outras viagens ao Porto, uma vez quando José estava em África, por volta de 1950, e voltou outra vez em 1959 , um ano antes da morte da mãe. Foram, pois, num período de 22 anos, três as vezes que voltou a ver mãe Laura depois de ela ter saído de S. Pedro.

Mas o contacto manteve-se sempre e ela muitas vezes nos falava da avó Laura e dos irmãos. O António e o Armando estiveram de garotos no Porto, têm seguramente muitas histórias para contar. Eu próprio a acompanhei na viagem de 1950, tinha 5 anos, embarcámos em Barca de Alva, seguimos pela linha do Douro. A casa do Porto ficava no Muro dos Bacalhoeiros, mesmo em frente ao rio, sobre o cais. Imagens de barcos, de guindastes, ficaram para sempre gravadas na minha memória.

Em 1963 eu voltei ao Porto e aí passei um ano na Faculdade de Ciências. Estava hospedado numa residência na Rua do Rosário mas ia frequentemente almoçar a casa da tia Luísa e do tio Mesquita, dos tios Elias e Fátima , da tia Bina e tio Anibal. Conheci novos primos, o Armando Luís, a Laurinha, a Gena, o Zé e o Américo.
Estes tios do Porto trataram-me sempre muito bem, tenho muitas e boas recordações desse tempo, parece-me que a simpatia destes tios para comigo, era também uma maneira de exprimir a gratidão para com a irmã Aida.

Nas duas fotos o casamento da tia Luisa, em cima, e da tia Bina, em baixo

Luís

Minha Tia, minha Madrinha

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A prima Helena já nos explicou a razão do nome desta sobrinha e afilhada:

“A primeira vez que me lembro da tia foi quando nasceu a minha irmã Aida. Estava a tia e a Celestininha a combinar o nome para a menina. Ela nasceu no dia oito de Dezembro. Puseram-lhe por isso o nome da madrinha e o da data: ficou Aida da Conceição. “

É esta afilhada que hoje recorda a Madrinha


Era minha tia, mas também minha Madrinha.
Não me deu só o nome, deu-me valores, que só quando fui mãe os compreendi.
Recordo aquele olhar meigo, protector quando olhava os seus rapazes.
Aquele abraço forte que me dava.
Era humana, amiga.
Partiu cedo e levou com ela aquele coração cheio de amor.
Não temos a sua presença física, mas estará sempre connosco
Porque só está morto quem foi esquecido.

Esta homenagem é a prova do quanto foi amada pelos filhos e por todos nós.
E como alguém escreveu um dia:

“Sempre te estaremos querendo
Mesmo para além da morte,
Porque te queremos com a alma
E a alma nunca morre.”

A afilhada,

Aida

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Dores de Aida

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A vida de Aida não foi uma vida fácil. Sofreu certamente, e muito, na casa do meio-do-povo: ali viu morrer o pai com 6 anos de idade, ali viu sofrer e morrer a avó Reta, vítima da mesma doença que iria matar a mãe Laura e levá-la a ela também. Ali sofreu com desencontros familiares, com a hostilidade familiar ao seu casamento com José.

Quando a Avó Laura saiu com os filhos de S. Pedro e a casa materna se desfez, viu ela desfazer-se também todo o seu mundo de infância e de adolescência. Como fazia sempre, enterrou essa dor, sofreu sozinha, foi capaz de esquecer. Nunca lhe ouvimos um queixume, um lamento, um sentimento de revolta. Eu soube, muito mais tarde, que Aida nunca mais se aproximou daquela casa, nunca mais passou naquela rua. Foi no dia do seu funeral, quando o cortejo saiu da capelinha da Senhora do Bom Sucesso para o cemitério, José mandou seguir outro caminho menos directo: “Não passava ali em vida, não passará em morta”. E isso nos surpreendeu, porque era um segredo só dela. Aida deixou ali, naquela casa, enterrado algo de si própria, algo que só ela nos saberia dizer.

Em S. Pedro, num dia de Verão, os sinos tocaram, a turba acéfala levantou-se e Aida sentiu-se impotente para socorrer um ente querido, vítima da selvajaria de uns quantos. Nessa noite, na casa da varanda, baixou a luz do candeeiro de petróleo, sentou-se na obscuridade do meio da casa e chorou, o filho mais velho, António, ainda criancinha, por única testemunha. Quando finalmente apagou a luz e se deitou, continuou a chorar e a soluçar.

Aida sofreu quando recebeu uma carta de África com a letra muito tremida dum marido, doente, em estado grave, onde já se advinhava o pior : "se eu morrer, faz isto, resolve aquilo, educa os filhos o melhor que puderes, o meu relógio fica para este, o meu fato fica para aquele...". Aida voltou a chorar e a guardar o sofrimento para ela, procurou guardar as forças para proteger os filhos numa qualquer eventualidade.

Sofreu na Guarda, quando venderam a casa do Largo dos Correios e, de repente, viu um grande espaço vazio à sua frente, a falta dos fregueses, as economias a desparecer, as despesas a ultrapassar as receitas… Voltaram a comprá-la e seguiram em frente.

Sofreu, enfim, na impotência de para vencer a doença que a levou…
Morreu como viveu, sem nunca deixar que a sua dor se alastrasse aos outros. Em vez disso, semeava harmonia, espalhava amor e bondade.

Luís

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Tínhamos muito que conversar!

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Não conheci a minha avó Aida, e tenho pena de não a ter conhecido. Mas vou-a conhecendo cada vez melhor através dos relatos que o meu pai e os meus tios, seus filhos, me vão transmitindo. Acredita nisso tanto o meu pai, a pessoa que dela mais me fala, que insistiu que fosse eu, e não ele, a escrever este pequeno texto.
Uma das suas grandes ambições, dizem-me, era ter netos e dos oito que teve, infelizmente, não teve oportunidade de conhecer nenhum. A doença que a vitimou levou-a cedo de mais e não tornou isso possível. Foi pena, foi doloroso. Para ela e para nós, netos. Não tivemos hipótese de conviver com a nossa avó.
A história da avó Aida já vem aqui descrita: nasceu em Cabo Verde, local para onde seu pai, por motivos profissionais, fez deslocar a sua família. As circunstâncias levaram a que se fixasse, mais tarde, na aldeia beirã do concelho de Almeida - São Pedro. Por lá foram vivendo.
A mãe, a minha bisavó Laura, possuía um estabelecimento. Foi nesse ambiente que Aida e os seus irmãos foram crescendo. Quando chegou o momento, a jovem Aida casou com um filho da terra, o meu avô José Luís Andrade Queiroz.
Apesar das dificuldades colocadas pelas vicissitudes da vida, os meus avós conseguiram transmitir aos seus filhos, António, Norberto, Armando e Luís, os valores necessários e preciosos que de todos fez grandes homens.
Na aldeia subsistiram daquilo que a terra lhes deu. Na Guarda, viveram do comércio e existindo sempre um ponto em comum: o respeito, a amizade e o afecto que os clientes nutriam pela minha avó.
Partiu cedo demais, muito cedo. Tínhamos muito que conversar e tal não foi possível!
Onde estiver, a avó, terá certamente muito orgulho em todos nós.
Um dia havemo-nos de nos encontrar...

João Queiroz

Os bons malandros do Liceu (3)

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O Luís Rodrigues acompanhou-me desde o 1º ano do Liceu. O nosso relacionamente manteve-se pela vida fora. O Luís é um Homem da Beira, um daqueles homens ligados visceralmente à terra, de que fala Aquilino. Planta e cultiva castanheiros pelo mero prazer de os ver crescer. Também ele quis falar sobre a D. Aida

Breve registo sobre a D. Aida

Naquele tempo nós já sabíamos que havia ditadura e não se podia falar contra o regime. Aprendemos no liceu a conviver com a discriminação sexual e só mais tarde ouvimos falar em marialvas e sociedade machista. Havíamos de tomar partido para que a situação se alterasse e alterou-se.
Os velhos que hoje somos (há quem prefira idosos pois o que conta é a lucidez) permite-nos reviver o passado e ir fazendo juízos de valor com ou sem justa causa.
Falar da nossa mãe não constitui motivo de polémica, são sempre as melhores, as mais puras, as que melhor nos trataram, mesmo que nos "chegassem a roupa ao pêlo" pois era sempre para nosso bem. Já o grau de saudade é que pode ser variável. Diferenças existem quando avaliamos o papel da mãe enquanto esposa e companheira e ponderamos a evolução temporal na luta contra a discriminação. Antes de ouvirmos o poema " Luísa Sobe a Calçada" já víamos as nossas Luísas ou Marias com a cesta ou o molho de erva à cabeça e ficávamos admirados como podiam ter tanta força.

É aqui que a imagem da D. Aida, e digo dona e nao senhora porque na vila e na cidade era esse o tratamento, a mãe do Queirós (Luís) vem à liça. A lebre guisada e outros petiscos por ela confeccionados são recordações de prazer.
Fisicamente, lembramo-nos de que era bem constituída, rosto moreno, cabelo preto, liso e enrolado no puxo, com um olhar que parecia que nos conhecia desde sempre.
A impressão de que devia dar-se bem com o Tio Zé Queirós só a pudemos confirmar mais tarde, assim como a igualdade de direitos, pois via-se bem que a D. Aida não era pessoa para ser mandada. E este era o traço que me interessava vincar. Defendo que a D. Aida deve ter tido a educação e a formação que permitiram o seu bom entendimento com o marido e o modelo de educação que legou aos seus filhos.
Em discussões havidas sobre a igualdade de direitos entre homem e mulher mantive sempre alguma distância no consenso geral que existe sobre a exploração desta. Claro que Salazar e a Igreja sempre se entenderam bem neste campo. Mas também
é verdade que além das situações de matriarcado que existiam nestas terras frias, a mulher era respeitada e fazia-se respeitar e nós muito devemos ao exemplo dessas mães e mulheres.
Pois bem, é nesta associação de ideias desse tempo que em termos de memória da D. Aida me ocorre fazer este registo de entendimento conjugal, pois o grande homem que foi o Zé Queirós só o terá sido devido a essa grande companheira que lamentavelmente partiu cedo demais.

Luís Rodrigues

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Os nossos vizinhos

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Na nossa rua as casas estavam todas habitadas e entre os moradores havia gente de três gerações.
Não obstante a proximidade em termos sociais e culturais, havia alguma diversidade.
Ao nosso lado, separada por caleja de cerca de um metro, era a casa da ti Concha, a que muitos chamavam a Espanhola.Casou com Bernardo Limão em Madrid, onde habitaram e tiveram os primeiros filhos, antes da Guerra Civil. A vitória do Franquismo recambiou-os para S. Pedro onde tiveram mais filhos e viveram o resto dos seus dias sem, no entanto, se integrarem totalmente nos hábitos e costumes da terra.
O ti Bernardo, exercia a sua profissão de barbeiro a cerca de um metro da barbearia do nosso pai e tiveram sempre uma relação de amizade e de grande afinidade.
A ti Concha que, talvez pela dificuldade de adaptação, demonstrava por vezes alguma rebeldia, tratou sempre a nossa mãe com um elevado respeito e até uma certa deferência.
Da casa da ti Delaide Rocha, uma viúva com dois filhos, ficou na nossa memória o mais velho, conhecido pelo Zé da Lai. Era um indivíduo voluntarioso que não poupava em palavras aqueles de quem não gostava ou que achava que o haviam prejudicado.
Na minha opinião o Zé era uma daquelas pessoas que falam muito mas que não fazem mal a uma mosca.
Fazia apostas por tudo e por nada, em como era capaz de carregar um saco de cem quilos ou ganhar uma corrida a um ciclista que lhe desse determinada dianteira.
Tinha uma certa admiração por pessoas inteligentes, classificando-as, como tal, se tivessem capacidade para resolver problemas.
Gostava de nós e manifestou sempre uma total disponibilidade para, durante a ausência do nosso pai, nos ajudar naqueles trabalhos que, pela nossa idade, ainda não conseguíamos realizar. Parece-me que nunca lhe chegámos a manifestar a nossa gratidão.
Outros vizinhos com quem tivemos sempre uma grande proximidade eram os Morgados, uma família tipicamente rural, em que o ti Morgado, viúvo já alguns anos, era pastor do rebanho que possuíam.Dos quatro filhos do ti Morgado hei-de lembrar aqui os dois mais novos, que tinham pela nossa mãe um carinho especial. Ambos tiveram um fim trágico.


Armando

Album (5)

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Mais cenas de um casamento

Esta fotografia foi tirada na casa do ti António Rodrigues, no dia do casamento da tia Alice com o tio Luís. Nela predominam os homens. Todos deles fizeram parte do mundo da nossa infancia: O tio Belmiro, que estava sempre pronto a convidar para uma sardinha assada, o primo Carlos Afonso que é, hoje, o homem mais velho de S. Pedro, o ti Bernardo, barbeiro e resistente da batalha de Madrid, o Toninho Ferreiro, o ti Armindo Caldeira, o Zé Rico e outros.
Os filhos de Aida estão no primeiro plano junto com o Amílcar, ao lado da figura protectora do tio António Queirós

Luís