sábado, 10 de junho de 2017

Eduardo Lourenço , homenageado em S. Pedro do Rio Seco, Agosto 2011

Abertura

Estamos aqui hoje reunidos para homenagear um conterrâneo nosso, o professor Eduardo Lourenço, o Dr Eduardo como sempre foi conhecido e tratado aqui em S. Pedro. Que nasceu aqui bem perto deste pavilhão, numa modesta casa de aldeia, e numa época bem diferente daquela em que hoje vivemos.
Foi no final do Verão passado que nos reunimos, eu próprio, o Manuel Alcino Fernandes , presidente da Junta de freguesia e o Dr Adriano Lourenço, e foi nessa reunião que nasceu a ideia desta homenagem.
Entendemos, nesse encontro, que este era o momento certo para evocar o Tempo de S. Pedro de Eduardo Lourenço. E, a Associação Rio Vivo, porque entendeu a importância do significado desta homenagem, assumiu-a como um dever, e ousou, com a sua pouca valia e os seus escassos recursos apadrinhá-la e apoiá-la.
A ideia inicial, era uma homenagem limitada ao âmbito da aldeia, mas logo ela extravasou alimentada pela grandeza e pelo prestígio do homenageado, e acabou por assumir uma dimensão nacional para a qual a Associação Rio Vivo não estava preparada nem dimensionada. Mas isso apenas mostra a grandeza do homenageado, que ao aceitar com a sua humildade este tributo quis mostrar o reconhecimento e apreço pela terra que o viu nascer. S. Pedro do Rio Seco é hoje uma aldeia orgulhosa por ter entre os seus filhos um dos maiores pensadores do nosso tempo...
Agradecimentos.
Em primeiro lugar à Camara Municipal de Almeida, que executou os trabalhos de preparação do local e contribuiu com a tenda onde decorrerá o o convívio, se prontificou a apoiar, na pessoa sdo seu Presidente , vereadores e e demais colaboradores.
a Junta de Freguesia de S. Pedro do Rio Seco, que oferece o lanche e, desde o primeiro momento, nela se empenhou na pessoa do seu Presidente da Junta. E a gente de S. Pedro associou-se na sua preparação.
Não posso deixar de referir as pessoas da Associação Rio Vivo, em particular o Jorge Carvalheira, o Zé e a Caetana, jovens que vieram repovoar s. Pedro e trazem consigo uma lufada de ar fresco e o sangue novo de que a aldeia tanto precisa. o Tó Pigas, e outros jovens e velhos.
E o Centro de Estudo ibéricos, cujo presidente honorário é Eduardo Lourenço, logo se associou assumindo um imenso trabalho na preparação e divulgação para que esta homenagem fosse possível. A exposição de textos e fotografias que está patente neste pavilhão, resultou de um trabalho conjunto do Dr Adriano Lourenço e dos técnicos do Centro de Estudos Ibéricos. Quero destacar o envolvimento activo e entusiástico do Dr António José de Almeida que aceitou ser o comissário desta homenagem, E o Dr Vergílio Bento a Dra Alexandra Isidro que coordenou todo o trabalho administrativo para que este evento se tornasse possível.

A presidir à Comissão de Honra está o Dr Guilherme d´Oliveira Martins, um amigo e um conhecdor da obra de Eduardo Lourenço, que logo e de forma entusiasmada aceitou o convite que eu próprio lhe dirigi . O facto de o ter aceite, muitos nos honrou, e por isso também lhe agradecemos Os restantes elementos da Comissão de Honra foram escolhidos e convidados por ele, alguns por sugestão do próprio homenageado . É uma lista de individualidades impressionante que integra pessoas notavéis, portuguesas e estrangeiras da literatura, da arte, da cultura, da politica, da vida pública que cruza diferentes sensibiliddaes, lista erssa que poderia integrar muitos outros nomes. Isto porque Eduardo Lourenço, e hoje um denominado comum do pensamento Universal, que se situa muito acima das posições de grupos.

Foi também o Dr Guilherme d´Oliveira Martins que sugeriu o prestigiado artista Leonel Moura, que de uma forma entusiasta se prontificou a projectar o monumento. E não posso esquecer o contributo do arquitecto Henrique Dinis da Gama, pessoa de apurado gosto, de rara sensibilidade , e de com um grande sentido estético e fino trato diplomático, ele também amigo do homenageado, e que com as suas ideias e sugestões contribuiu para melhorar o obra artística final.

A todos o nosso obrigado.

Aos presentes que vieram de longe oferecemos o que temos e o que podemos. Aceitem as nossas limitações e o desconforto e a precariedade dos nossos meios com espírito de sacrifício e entendam-no como um sinal da austeridade do tempo presente a que vamos ter de nos habituar

S.Pedro de outros tempos

Não me vou alongar nesta introdução, a tarde alonga-se e o tempo deve ser guardado para outros que mais e melhor ilustrarão esta sessão.

O tempo que hoje aqui evocamos é o tempo de S. Pedro de Eduardo Lourenço, o tempo de uma infância, aqueles anos, na expressão do homenageado, em que nós estamos no mundo e o mundo está em nós.

Se olharmos para esta aldeia o que vemos hoje não tem nada a ver com a aldeia dos anos 20 e 30 onde se inclui o tempo da infancia de Eduardo Lourenço.

S Pedro do Rio seco, é uma pequena aldeia do concelho de Almeida, situada na região de Ribacôa, um território que se situa entre o Rio Côa e a raia de Espanha.

Esta região de situa-se num planalto, continuação natural da Meseta Ibérica que lhe fica a leste. É limitada, do lado ocidental, pelos penhascos do vale do Côa, e a sul pela serra de Malcata, no maciço da cordilheira central ibérica. A norte, destaca-se a silhueta da Marofa, já nos contrafortes do vale do Douro.

São fracos os recursos destas terras: o solo é pobre, a água não é abundante, e o clima, muito frio no inverno e muito quente no verão, é extremamente agreste. Como nota dominante da paisagem, abundam os afloramentos graníticos (os barrocos como aqui lhe chamamos), as giestas, as moitas de carvalhos e as carrasqueiras. E, sempre presente, o pinheiro bravo.

Nos primórdios da nacionalidade, esta região fronteiriça, disputada entre Castela e Portugal, era uma zona de castelos defensivos: Castelo Bom, Almeida, Castelo Rodrigo, Vilar Maior e Alfaiates; terá sido mais intensamente povoada a partir de 1296, ano em que foi definitivamente integrada no território português, após o tratado de Alcanizes.

Tradicionalmente, as gentes desta região dedicavam-se sobretudo à agricultura e à pastorícia: colhia-se batata, trigo, centeio e algum vinho.
Produzia-se queijo de ovelha, cada família criava o seu porco e as suas galinhas, que circulavam livremente pelas ruas e regressavam aos poleiros na hora do crepusculo da tarde. Uma pedra colocada na entrada impedia investidas da zorra matreira que caso tivesse acesso ao galinheiro muitos estragos haveria de fazer. A aldeia era auto-suficiente em cereais, lenha, madeira, frutos e hortícolas. Havia uma dinâmica actividade complementar de serviços: o merceeiro, o taberneiro, o sapateiro, o alfaiate, o pedreiro, o ferreiro, o carpinteiro, o barbeiro...

A casa agrícola típica de S. Pedro desenvolvia-se à volta do curral com a residência e o seu cabanal, as cortes, os cortelhos, os palheiros, a adega e a “tenade” onde se guardava a lenha. O lavrador desenvolvia a sua actividade apoiado na junta de vacas, de machos ou de burros, conforme a dimensão da sua lavoura. O carro de bois, que era diferente do minhoto, estacionava no curral. Os terrenos da exploração agrícola (as sortes, as tapadas, os hortos, as vinhas, os lameiros) eram de pequena dimensão, e estavam dispersos pela folha, muitas vezes afastados uns dos outros .

Não havia conforto nas habitações: entrava-se no meio-da-casa e de um lado estava a cozinha (em certos casos de telha vã e sem chupão de fumo) com o seu basal e a cantareira, e com uma pequena dispensa onde estava a tulha e a salgadeira; do outro lado do meio-da- casa, uma pequena sala com dois quartos (as alcovas) onde apenas cabia a cama. Não havia casa de banho, apenas um lavatório na sala com o seu jarro e um espelho na parede. Nalguns casos, sobre a sala e as alcovas, havia o sobrado onde se guardavam as colheitas para o uso da casa.

Desde há meio século tudo isto mudou, e um modo de vida que se tinha aperfeiçoado durante seis séculos desapareceu completamente. A casa agrícola deu lugar a uma casa moderna com o conforto das casas das cidades, muitas vezes servindo apenas como segunda habitação. O automóvel tomou conta das ruas, os animais de trabalho desapareceram, o asfalto substituiu a terra batida, ou a calçada de pedras roladas, apareceu a electricidade e o saneamento, A autarquia, entretanto, construiu um moderno pavilhão multiusos, rasgou estradas, plantou árvores, embelezou largos com jardins.

Como resultado da fuga para as cidades, a população permanente que, no tempo da infância de Eduardo Lourenço, era de cerca de 700 pessoas reduziu-se a pouco mais de 150 habitantes, a maior parte com mais de 65 anos. A escola fechou por falta de alunos. Resta um pequena actividade agrícola, quase um passatempo dos reformados, centrada nas hortas de proximidade. Cuidar dos velhos no Centro Social é, agora, a principal actividade dos poucos que trabalham na aldeia. A folha está praticamente abandonada, sendo a excepção a existência pequenas manchas dispersas de exploração florestal (de pinheiros de cupressus ou azinheiras), e algumas explorações pecuárias (de vacas e ovelhas), tudo a viver com apoios comunitários.

No mês de Agosto a aldeia ganha a vitalidade de uma estância turística. Emigrantes enchem a terra, cria-se uma ilusão de vida. E alguns vêm nisto um sinal de progresso, e acreditam que se está a prosseguir no caminho certo.
Mas esta aldeia está ferida de morte e não tem futuro: os residentes desaparecem, e outros não vêem para os substituir; os filhos dos emigrantes não virão ocupar as casas que os pais construíram. Os dinheiros do estado social vão escassear, os fundos comunitários também. É este o angustiante paradoxo do nosso tempo: as cidades não são a solução para o futuro, e as pequenas comunidades rurais perderam a sua sustentabilidade.

Nascida da vontade de uns quantos, a Associação Rio Vivo foi criada para perceber como foi possível chegar a este ponto e para intervir, da forma possível, para inverter esta tendência depressiva. No fundo, para ajudar a cuidar dos velhos e estudar a forma de reanimar a aldeia. Para impedir que ela morra...

"Reunidos em S. Pedro do Rio Seco no dia 9 de Agosto de 2009, um grupo de gente de s. Pedro manifestam a intenção de constituir a Associação Rio Vivo. Através dela, e em pleno respeito pela Natureza e pelo uso racional dos seus recursos, propoem-se contribuir para preservar o património cultural, as formas de vida, as tradições, os usos e os costumes que herdaram dos seus ancestrais.

Declaram-se conscientes dos graves problemas que afectam o equilíbrio do planeta, e ameaçam pôr em causa a vida tal como a conhecemos: a poluição ambiental, o aquecimento global, as alterações climáticas dele resultantes, o rápido esgotamento de recursos naturais como a energia de origem fóssil, a terra arável, a água e outros. Estão preocupados com a extinção acelerada de espécies animais e vegetais, e com as ameaças que pairam sobre a diversidade biológica.

Num mundo globalizado, e particularmente na sociedade portuguesa, assistiu-se em poucos anos a uma rápida destruição dos modos de vida e dos equilíbrios tradicionais, sem que outros mais sustentáveis tivessem surgido. A fuga das populações rurais em busca de melhores condições de vida, e a sua concentração acelerada em subúrbios urbanos marcados pela precaridade, o desenraizamento e a fragilização, despovoou o interior e esvaziou as pequenas comunidades rurais.

Acreditam que as pequenas comunidades rurais poderão vir a desempenhar um papel importante no futuro e que é fundamental tomar consciência dos perigos que ameaçam a Humanidade, e das nefastas consequências do esgotado modelo do crescimento contínuo e do consumismo moderno. Crêem estar em vias de exaustão o privilégio histórico das energias fósseis baratas, que permitiu às gerações do último século um desenvolvimento e um conforto nunca experimentados. Acreditam que é seu dever deixar às gerações futuras um mundo habitável. E crêem ser fundamental reconstruir alguma da auto-sustentabilidade alimentar e energética das pequenas comunidades rurais.

Acreditam ser necessário desenvolver activamente um novo modo de vida, um modelo de transição para uma era pós-carbono. Tal desiderato deve ser perseguido no respeito pelas pessoas, com as suas crenças religiosas, as suas opções políticas e os seus direitos próprios. Mas abrir caminhos novos implica contrariar as actuais tendências e mudar as mentalidades.

Como primeiro passo para atingir os objectivos propostos, os signatários assumem conjuntamente o compromisso de constituir, em S. Pedro do Rio Seco, uma Associação de pessoas que comunguem dos mesmos ideais, e alimentem os mesmos propósitos.

Chegaremos a tempo?

A angústis do futuro

Naquele tempo do inicio do século passado, no tempo de S. Pedro de EL, os nossos avós imaginavam o mundo de hoje de de uma forma muio diferente daquela que ele veio a evoluir.
É certo que, nesses anos, a data "2000" era uma data mítica, a qual era vista, em simultâneo, como fim de século e como fim de milénio.

Isso, julgo eu, ajudava a inflamar as mentes. Ora, o tempo futuro parece sempre mais extenso do que o tempo passado. A nossa mente habitua-se a olhar para uma data futura como representando uma “distância” enorme, a qual, depois, nos parece muito mais curta do que havíamos imaginado. Quando apareceu o “1984” de Orwell ou o filme “2001, Odisseia no Espaço” de Kubrick, parecia que o tempo que faltava, haveria de permitir realizar todos os sonhos. E, afinal, essas datas, vistas agora pelo "retrovisor" do tempo, estavam “logo ali”.

Nas previsões desses anos, sobressai uma crença ilimitada na tecnologia. A electricidade é ali apresentada como uma coisa milagrosa. Falava-se ingenuamente de navios movidos a electricidade cruzando o oceano, como se a electricidade pudesse ser transportada a bordo de um navio. E, constatamos hoje, a incapacidade de, nesse tempo, se perceber aquilo que foram os verdadeiros grandes saltos tecnológico: a televisão, a informática, a internet, e até o avião.

O carvão era a forma energética que tinha revolucionado o mundo, tinha permitido o aparecimento do comboio e dos paquetes transocânicos, e tinha conduzido ao progresso e facilitado as grandes correntes migratórias, mas que já se apresentava como uma coisa do passado, algo sujo e desinteressante. E que, acreditava-se, a energia eléctrica iria tornar obsoleto. O petróleo era conhecido mas o seu potencial estava por adivinhar. E o nuclear como fonte de energia, nem sequer era imaginado.

Nos anos da viragem do século XIX para o século XX, o mundo ainda estava extasiado com os ecos da Exposição Universal de Paris, e vivia-se uma revolução tecnológica. Parecia não haver limites para os sonhos do homem. Júlio Verne, melhor que ninguém, encarna esta visão nos seus livros. Entre nós, ficou-nos a “Cidade e a Serras” do nosso Eça que confronta o “novo mundo”, isto é, a civilização com o campo, ou as serras. E que, ao arrepio da tendência dominante, toma partido pelo campo, e desaprova as “modernices” de Jacinto que morava em Paris, nos Campos Elísios, e já tinha elevador na sua casa.

Não se falava de limites do crescimento, e questões como o esgotamento dos recursos, como a poluição ou o aquecimento global, nem sequer eram afloradas. Falava-se do progresso, dum Mundo super-organizado mas não se antecipavam os custos da complexidade que lhe iriam estar associados.

O homem está hoje menos optimista, vive mais angustiado. E, já ninguém imagina o futuro como a “reconstrução” do Éden. Já não temos Júlio Verne, mas temos os livros e os filmes que nos falam do colapso (2012) e nos mostram as ruínas das grandes cidades depois de cataclismos, das pestes, do extermínio nuclear, de novas idades de gelo.

O mundo de hoje, ao invés do mundo de há 100 anos, é um mundo mais pessimista em relação ao futuro, e, infelizmente, parecem sobrar as razões para que o seja.

As previsões de há cem anos inspiravam-se na crença de que a evolução tecnológica e o progresso do conhecimento não teriam limites, e que ao desvendar os segredos das Ciências e ao dissecar as células microscópicas, o Homem iria explicar as origens da Vida, e penetrar nas profundezas da Alma. E adquirir a sapiência e o poder, que antes só eram atributos dos deuses.

Mas o mundo dos últimos 100 anos não teve aquela "suave" evolução que se esperava. Foi antes uma espiral de acontecimentos contraditórios, em que os sucessos eram, muitas vezes, submergidos pelos insucessos. Descobrimos a penicilina, é verdade, mas tivemos o holocausto, eliminámos a varíola, mas viu-se massacrar gente, em África e noutras partes do mundo. Produzimos e consumimos mais e andamos mais depressa, mas estamos, por causa disso, a esgotar os recursos e a destruir o ambiente.

Libertámos a energia do átomo , e com ela já se mataram pessoas; descobrimos o o código do ADN, e com esses conhecimento, já "manipulámos" genes de animais e plantas.

E quando parecia que estávamos a atingir o paraíso, vimos o planeta reagir furioso parecendo contrariar o nosso desejo. Surgiram, quando menos se esperava, os tornados, os furacões, as enchentes, os tsunamis e enfrentamos o aquecimento global. E o planeta até já se nega a que lhe retirem das suas entranhas o “sangue” negro que alimentou a nossa expansão, o “excremento do diabo” como alguns já lhe chamaram.

Por isso eu não me atrevo a fazer previsões para os próximos 100 anos. Já me contentaria que alguém mas mostrasse para os próximos 5 anos. Porque, acredito, muita coisa se irá decidir neste curto prazo. Mas só pensar naquilo que "não" poderá acontecer no século que temos pela frente, já se torna preocupante. E isso eu posso prever:

• A população “não” poderá voltar a multiplicar por quatro, como aconteceu nos últimos 100 anos.
• O aumento progressivo da concentração de CO2 na atmosfera “não” pode continuar.
• "Não" se podem continuar a destruir espécies como temos feito até agora.
• O consumo de energia fóssil, barata e abundante, “não” continuará a crescer.
• "Não" se poderão continuar a desperdiçar recursos escassos, a começar pela água.
• Os economistas “não” vão ser capazes de resolver os problemas económicos do mundo. Isto porque o mundo do futuro vai passar a ser dominado pela física e não pela economia

Não podemos prever o futuro das coisas
Elas são imprevisíveis!
A fronteira entre a ordem e o caos
É o bater das asas de uma borboleta...
A amena fogueira dá lugar ao incêndio devastador
A brisa suave dá lugar ao tornado assustador
A chuva serena dá lugar à enchente destruidora
E ao doce crepúsculo, segue o dia claro ou a noite de trevas...

Temos de, com urgência, procurar novas alternativas para continuar a assegurar prosperidade à raça humana. E se isso não for possível pela via material, terá de sê-lo pela via espiritual.

E com este pensamento, regressemos a Eduardo Lourenço que é a razão que aqui nos traz hoje...
A sua sabedoria, a vitalidade do seu pensamento, deverá ser um estimulo e uma bússola para encontrar a saída deste labirinto que já não é só de saudade, mas que parece começar a ser de sobrevivência… Será que ele nos saberá indicar o caminho?

Armando, irmão e amigo


Quando se convive de perto com uma pessoa, quando a vemos crescer e envelhecer ao nosso lado, a  vida dessa pessoa, de alguma forma,  passa a fazer parte de nós próprios. Por isso é, ao mesmo tempo, fácil e difícil  falar dela. Fácil, porque se conhece bem, mas difícil porque ficará sempre muita coisa por dizer.
 
O Armando é  um homem cheio de qualidades: é inteligente e observador perspicaz, tem um sentido muito crítico sobre as coisas e uma perceção única do meio envolvente. É um psicólogo nato. Retrata por vezes de forma acutilante e implacável - mas sempre tolerante e bem humorada -  as pessoas que o rodeiam.

Ele sabe partilhar como ninguém as suas experiências de vida, relata com um sentido de humor e com vivacidade e minúcia essas experiências. E eu, que sempre o ouço com interesse e com agrado, às vezes mesmo com entusiasmo, partilhei com ele muitas das suas vivências, e, sem sair da comodidade da minha casa,  participei do seu dia-a-dia,  e até fiz muitas viagens à sua custa.

Ainda adolescente, comecei a conhecer Portugal pelos olhos dele, e foi ele que me mostrou o mar pela primeira vez quando fomos,  com o Mendonça, fazer uma viagem pelo litoral, onde visitámos as praias os areais imensos que calcorreávamos descalços convencidos que íamos endurecer e calejar os pés para melhor enfrentar as frieiras dos duros invernos da Guarda.

Trabalhei com ele na loja "F. Gião" onde conheci o Sr. Nascimento,  para quem consertar um rádio não tinha segredos, o gerente Sr. Amílcar, algo enigmático, o Sr. Flores, que veio para o Sanatório da Guarda e se fixou na cidade, e o Chico que era um jovem aprendiz natural de uma aldeia sobranceira ao vale do Mondego.

Mais tarde, desembarcamos os dois em Cabinda nos batelões da tropa quando fomos, em missão de soberania,  ocupar o edifício abandonado de um velha missão junto à fronteira com o Congo Francês. Lembro-me bem do Belga, que vendia gasolina aos militares, e do padeiro que nos comprava farinha e nos vendia o pão. Comemos o Bife da Casa nas surtidas que fazíamos à cidade, e, juntos, deambulámos pelas praias de Landana. E numas férias, com mais dois amigos, percorremos, num carro alugado,  todo o litoral de Angola, de Luanda a Porto Alexandre.
 
Trabalhámos juntos no  Banco Lisboa & Açores , onde nos divertíamos com as histórias do velho Macedo que todos os dias ia ao Nicola comer o seu meio bife e já nem precisava pedir para ser servido, do Jaime, o da burra, que assim chamávamos por que tinha uma burra em Colares, e de um outro, o Vitor Manuel, que engraçou com o nome de um colega, e repetia à exaustão: "o mê amigo Lavadinho". E foi lá que conheci  a austera figura de Vitorino Vasconcelos Almada, que chefiava um departamento, e que um dia, para realçar a importância da sua pessoa, nos disse com ar solene: "Hoje fui almoçar com uma mescla de amigos, pessoas com quem vocês não contactam".
 
Fizemos outras viagens maravilhosas e inesquecíveis. Estivemos no terminus da estrada transamericana em Ushuaia, no extremo sul da Patagónia, nas margens do canal de Beagle; comtemplámos, deslumbrados, o espetáculo que é o glaciar  Perito Moreno, no parque dos glaciares, onde chegámos vindos de Calafate. E fomos visitar a Barranca del Cobre,  no México, onde viajámos no famoso comboio "El Chepe" de Los Mochis  para Chihuahua.  Fomos os primeiros portugueses a almoçar em Salta - cidade que fica no noroeste da Argentina -  num famoso restaurante onde o proprietário, Capeto Dias, cozinhou exclusivamente para nós e nos ofereceu do seu melhor vinho.

E poderia incluir neste roteiro outros países e outras emocionantes aventuras: Marrocos, a Dinamarca, a Turquia, a Rússia, etc... não esquecendo as incursões pelo Alentejo e por Trás os Montes. E nessas viagens não posso deixar de recordar a figura, tantas vezes presente, do saudoso Joaquim Pereira e da Orlanda, sua mulher.

Costuma-se dizer que escolhemos os amigos mas não escolhemos os irmãos. Eu não escolhi o Armando como irmão, mas escolhi-o como amigo.