José Queirós fala da sua ida à escola
Por volta dos sete anos, a minha mãe levou-me à escola pela primeira vez. Lembro-me que fui bem recebido pelo professor, mas isso não apaziguou o medo que levava apertadinho no coração. Eu já sabia que os professores batiam muito nos alunos, era sobretudo à base de reguadas nas mãos. E eu não escapei a esses castigos, mas confesso que não terei sido dos mais atingidos.
Gostávamos, claro, da brincadeira, e, por isso, o tempo passava mais alegremente no recreio do que na sala de aula. Como não tínhamos relógio, não estávamos a horas certas na escola. Quando isso acontecia, o professor colocava-se atrás da porta de entrada, e com uma verga de marmeleiro ia castigando todos os que não tinham chegado à hora certa.
Mas havia outros castigos: quando não sabíamos as lições ficávamos retidos na hora do recreio, que era das 12 horas às 14, ou seja na hora do almoço. E com esse castigo não se almoçava o tal pão e marmelo, ou o pão e uma sardinha, ou uma tigela de caldo.
Recordo-me perfeitamente de fazer o exame da 4ª. Classe. Éramos seis rapazes, e todos soubemos responder muito bem às perguntas da mesa do júri.
Feito o exame deixava-se a escola, e lá voltávamos nós a andar descalços e a saborear as férias de verão, procurando os ninhos dos pássaros, indo nadar para a ribeira, e ajudando os mais velhos nas fainas agrícolas.
Mas quando, depois de feito o exame da 4ª classe, a escola reabriu em Outubro, eu já não voltei. Estava tudo cumprido a respeito de instrução, mas fiquei com muitas saudades da escola, e com um grande vazio dentro de mim.
E assim nos criámos, mas nem todos, que alguns que eu conheci não tiveram essa sorte, como foi o caso do Davide, que eu tive ocasião de o ver o fechar os olhos para sempre.
contínua
terça-feira, 11 de maio de 2010
domingo, 9 de maio de 2010
Recordações(3)
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José Queirós continua a falar-nos do seu tempo de menino
As nossas armas de brincar eram os “trabucos”, feitos de pau de sabugueiro que íamos cortar atrás dos quintais. Extraíamos o miolo do pau e ficava um canudo oco. As nossas balas eram buchas feitas de linho. Soprando, a arma atirava a alguns metros de longe, e, assim, metíamos medo uns aos outros.
Fazer um pião de um pau de carrasqueira, ou cortar um pau de giesta e aguçá-lo dos dois lados para fazer a xona para os jogos, ou fazer os assobios de cana e as relas na quaresma, ou fazer um "picachão", tudo era fruto da nossa habilidade, pois não havia brinquedos a vender. O canivete era, para nós, a ambicionada ferramenta, mas custava dinheiro, e nem sempre se conseguia. E quando se achava algum, como aconteceu comigo certa vez na Fonte Robre, era uma grande alegria.
A minha irmã, Maria Augusta, morreu com 14 anos. Tenho uma vaga memória desses dias, mas acredito que a minha mãe deve ter sofrido muito. Naquele tempo parece que a morte era uma coisa mais natural, convivia-se mais de perto com ela. Morria-se em casa, aceitava-se o facto como um desígnio da Providência.
Naquele tempo, a pouca assistência médica, a pouca higiene, a má alimentação, tudo contribuía para apressar o fim. Eu lá escapei, mas também me lembro de ter sido visto pelo médico, deitado ao canto da sala, do lado direito, numas mantas estendidas. Eram as tais febres intestinais do tempo estival. E com uma doença denominada pneumónica, em 1918, ainda me lembro de morrer tanta gente, famílias quase completas, tinha eu na altura seis anos.
Naquele tempo, no Verão, sobretudo no mês de Agosto, era uma "limpeza". Até se dizia quando morria um anjinho: "Coitadinho, agostou-se". Recordo-me de ver morrer o Davide: pediu água à mãe dele, e foi a última que bebeu.
E, com uma diferença de 17 anos do António e uma diferença de 10 do José, nascia o nosso irmão Luís . Isto aconteceu depois de o nosso pai ter vindo da Argentina a última vez. A minha mãe tinha mais de 45 anos, e na aldeia toda a gente ficou espantada com o nascimento deste filho serôdio.
continua
José Queirós continua a falar-nos do seu tempo de menino
As nossas armas de brincar eram os “trabucos”, feitos de pau de sabugueiro que íamos cortar atrás dos quintais. Extraíamos o miolo do pau e ficava um canudo oco. As nossas balas eram buchas feitas de linho. Soprando, a arma atirava a alguns metros de longe, e, assim, metíamos medo uns aos outros.
Fazer um pião de um pau de carrasqueira, ou cortar um pau de giesta e aguçá-lo dos dois lados para fazer a xona para os jogos, ou fazer os assobios de cana e as relas na quaresma, ou fazer um "picachão", tudo era fruto da nossa habilidade, pois não havia brinquedos a vender. O canivete era, para nós, a ambicionada ferramenta, mas custava dinheiro, e nem sempre se conseguia. E quando se achava algum, como aconteceu comigo certa vez na Fonte Robre, era uma grande alegria.
A minha irmã, Maria Augusta, morreu com 14 anos. Tenho uma vaga memória desses dias, mas acredito que a minha mãe deve ter sofrido muito. Naquele tempo parece que a morte era uma coisa mais natural, convivia-se mais de perto com ela. Morria-se em casa, aceitava-se o facto como um desígnio da Providência.
Naquele tempo, a pouca assistência médica, a pouca higiene, a má alimentação, tudo contribuía para apressar o fim. Eu lá escapei, mas também me lembro de ter sido visto pelo médico, deitado ao canto da sala, do lado direito, numas mantas estendidas. Eram as tais febres intestinais do tempo estival. E com uma doença denominada pneumónica, em 1918, ainda me lembro de morrer tanta gente, famílias quase completas, tinha eu na altura seis anos.
Naquele tempo, no Verão, sobretudo no mês de Agosto, era uma "limpeza". Até se dizia quando morria um anjinho: "Coitadinho, agostou-se". Recordo-me de ver morrer o Davide: pediu água à mãe dele, e foi a última que bebeu.
E, com uma diferença de 17 anos do António e uma diferença de 10 do José, nascia o nosso irmão Luís . Isto aconteceu depois de o nosso pai ter vindo da Argentina a última vez. A minha mãe tinha mais de 45 anos, e na aldeia toda a gente ficou espantada com o nascimento deste filho serôdio.
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