domingo, 26 de março de 2017

Alcides 1 -Infância


Nasci em Almeida, no dia 3 de Abril de 1929. Foi na Rua do Seixo, numa casa rasteira de telha vã que ficava pegada ao matadouro, em frente ao antigo Quartel de Cavalaria. Comparada com as casas de hoje não era maior que uma divisão pois não teria mais que 20 m2. Vivíamos nessa casa eu, a minha mãe, e mais dois irmãos. A minha mãe não tinha leite e eu fui criado numa teta emprestada por uma vizinha que tinha um filho da minha idade. Com o medo que me trocassem, a minha mãe marcou-me com um sinal. O meu pai que era primeiro sargento, morreu tinha eu sete meses. Ainda me lembro da minha avó paterna que se chamava Maria do Pereiro. Era aguadeira, trazia água para o quartel, quatro cântaros de cada vez. Era casada com o meu avô, Francisco do Pereiro. Naquela casa da Rua do Seixo me criei, e ali ali vivi até aos 8 anos. Depois mudei para outra casita junto à muralha.

Nos primeiros anos, a minha vida foi muito difícil. Mas eu considero que tive uma infância feliz pois vivia em liberdade. Andava descalço, e todos os dias tinha de preocupar-me em saber onde ia pedir um bocado de pão. Para nos criar, a minha mãe mondave, arranjava meias que se rompiam nas calcanheiras e nas biqueiras e vendia ovos. Ia buscá-los, a pé, a Chavelhas e ao Azinhal para os vender em Almeida. A nossa comida pouco variava: batatas, couve, carne nem vê-la.

Às vezes não deixava nada para comer e eu tinha que ir a uma casa qualquer a pedir. E ainda me aconteceu um caso. Um dia o professor estava a dar aulas e eu estava a pensar, ao meio-dia, onde é que havia de ir arranjar uma esmola. E não é que o professor viu-me distraído e disse assim: “Olhe, você está pensando em como ao meio-dia há-de ir pedir um bocado de pão.” E acertou no meu pensamento! Que era mesmo isso que eu estava a pensar. e pensava assim muitas vezes. Além disso, andava descalço e fazia frio. E ao meio-dia ainda tinha  o problema de saber aonde havia de ir comer.

A minha mãe era muito católica, rezava todos os dia o terço. Nesse tempo, nós tínhamos uma relação muito respeitosa com os mais velhos. À hora de deitar eu pedia a bênção à minha mãe: ─ Bote-me a sua bênção minha mãe. E acontecia o mesmo sempre que me cruzava com o meu padrinho: ─ Bote-me a sua bênção meu padrinho. E a resposta que obtinha era sempre a mesma: ─ Deus te abençoe meu filho. Um dia, aos seis anos, fui ao terço, deixei-me dormir e fiquei fechado na igreja. Assustei-me muito, pois imaginava os santos a vir a correr atrás de mim.

Frequentei a escola do professor Abel Pires. Fui para a escola aos sete anos, no dia 7 de Outubro no ano em que fiz sete anos. Fiz os anos em Abril e entrei em Outubro, que era quando abriam as aulas. Fiz a primeira, a segunda e fiz a terceira classe. Com exame! Não foi passagem...Era um exame mais ou menos como o da quarta classe, a mesma matéria, os mesmo os livros. Só que a quarta era mais aperfeiçoada. E então tive que deixar a escola, porque estudar mais já não podia. Não havia posses nem para os ricos. Pois os chamados ricos, não eram assim tão ricos para mandar os filhos a estudar.

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