terça-feira, 1 de junho de 2010

Recordações (5)

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Trabalhando para ganhar a vida

Mal deixei a escola, logo iniciei uma vida nova. Comecei a sentir a grande responsabilidade de ter de ganhar dinheiro para me vestir e calçar, porque os meus pais não o tinham para mo dar. Comecei então a trabalhar para outros, e a ganhar "o jornal" ou "jeira" que correspondia a um dia de trabalho, e que ia do nascer do sol até ao pôr-do-sol. E o que se ganhava era, mais ou menos, dez escudos por dia.

Havia quem conseguisse dinheiro de outra maneira, tirando aos pais uns quilos de centeio para vender, mas eu nunca fiz tal cena. Era assim, muito dura, a vida naqueles tempos: trabalhava-se muito e tinha-se pouco, trabalhava-se sem horário, e sem férias. E, mesmo assim, ainda era por favor que se conseguia trabalho daquelas pessoas que tinham hortas e vinhas para amanhar. Para ceifar, tão urgente e necessária era a actividade, já não era assim. Havia trabalho para qualquer um que aparecesse, mesmo que ceifasse mal. Sob o calor abrasador de Junho e de Julho, dobrado sobre a foice, a ceifa, era a mais dura das fainas do campo, e ainda hoje só de me lembrar disso sinto calafrios na espinha.

Mas nem tudo era desagradável, apesar de tantos sacrifícios no trabalho ainda se cantava, com aquelas vozes tão sadias, que toda gente ouvia com atenção esses cantores. E havia o convívio, os dichotes picantes, atirados às raparigas, tudo na brincadeira, sem maldade. E, sobretudo, tínhamos sempre a esperança de que melhores dias haviam de chegar. Olhávamos para a estrada do carril, onde de vez em quando já passava um automóvel, e sonhávamos com a África, com a Argentina e com o Brasil.

Tudo acabou hoje porque os tais trabalhos do campo, mondar, sachar, ceifar, já não se fazem; todo aquele duro labutar acabou para a mocidade. Com tanta máquina e com as químicas, hoje, colhe-se mais, em menos terreno, e com menos trabalho.

Eu, da minha parte, tirei bem a conclusão de quanto custam os trabalhos do campo. Foi, talvez, por isso que quis aprender um ofício de barbeiro, e lá consegui aprendê-lo. Mas nem tudo eram rosas, havia de tudo um pouco, mas sempre ganhava mais algum, e com menos sacrifícios do que a trabalhar no campo.

continua

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