segunda-feira, 7 de junho de 2010

Recordações (6)


José Queirós fala dos traumas da sua adolescência


Uma bicicleta para dois

Mas nem tudo foram rosas, e eu sofri muitos traumas de infância, muitas angústias que eu interiorizava só para mim e que não contava para os outros. Lembro-me, por exemplo, que quando era bastante criança, o meu crescimento para pessoa adulta era muito lento, muita gente já me dizia que eu não passava de um anão. Afinal cresci, e, hoje, julgo-me um homem bastante normal.

Mas quando era novo, e durante muitos anos, eu vivi com medo obsessivo de morrer tuberculoso. Era algo que era superior a mim, e que me provocava uma grande angústia. A tuberculose era naquele tempo a doença da moda, que se considerava incurável, e muitos foram os que partiram para sempre, alguns que eu conheci e deixaram saudades.

Os que ficámos foi para viver uma vida pouco vivida, às vezes experimentando o aguilhão da fome. Não raras vezes as nossas mães chegavam a esperar que a galinha pusesse o ovo para matar a fome aos filhos. Mas mesmo assim lá nos criámos, crescemos e, hoje, somos pessoas normais. S. Pedro do Rio Seco era uma aldeia com muita vitalidade, que naquele tempo era muito habitada, havia mais de seiscentas pessoas. Alguns que emigravam era para a Argentina e Brasil, e mais tarde para África e, por último, para a Europa. Muito se transformaram as coisas nesta geração!

Não havia transportes como hoje há. Nós tínhamos uma bicicleta lá em casa, e recordo-me que aos sábados, já aprendido o ofício, ia eu fazer barbas a uma terra já do concelho do Sabugal chamada Aldeia da Ponte. Acompanhava-me o meu irmão Luís, dez anos mais novo do que eu. Como só tínhamos uma bicicleta para os dois, um de nós usava-a primeiro, e passado um ou dois quilómetros, deixava-a na berma, para ser utilizada pelo outro, que vinha atrás caminhando a pé. Este, por sua vez, fazia o seu percurso, ultrapassava o andante, e voltava a deixar a bicicleta, mais à frente, na berma, para o outro. E íamos assim, alternando, até chegar ao destino, talvez uns 20 quilómetros de distância.

Os transportes motorizados começaram a aparecer mais ou menos pelo ano de 1930, eram sobretudo automóveis de aluguer e camionetas. Antes dessa data os transportes faziam-se em carros puxados por machos e cavalos, e outras deslocações era a pé, às vezes fazíamos, mais ou menos, 50 quilómetros por dia. Mas eu sei como isso é árduo, custa bastante, e os pés chegam a inchar ao ponto de não caberem nos sapatos!

(contínua)

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