terça-feira, 22 de junho de 2010

Recordações (9)

Tempos da Guerra

José Queirós, conta-nos histórias da sua vida, e fala de tempos de vacas magras


Nos anos da década de 30, viveram-se em S. Pedro tempos difíceis, e que foram agravados pela Guerra Civil de Espanha. Parece-me que a miséria ainda se tornou mais miserável, nesses anos. Nós sabíamos que se defrontavam duas ideologias distintas, e éramos obrigados a tomar posição, havia os falangistas e os "rojos", ou vermelhos. O Bernardo Limão, nosso vizinho, estava casado com a Concha, uma espanhola, e viviam em Espanha. Um dia voltaram para S. Pedro e trouxeram com eles a experiência dos dias de Madrid e das lutas dos sindicatos. E nós ouvíamos, embasbacados, as histórias que nos contavam, e logo acreditámos que aquele era o lado certo.

A maioria do povo da aldeia seguia a orientação religiosa do padre Raimundo, era favorável aos falangistas. No nosso bairro, por influência do Bernardo Limão, uns quantos de nós nutríamos uma maior simpatia pelos vermelhos. Tínhamos uma grande fé de que o mundo tinha de mudar, que tinha de haver mais igualdade, mais solidariedade, e que as crenças antigas tinham de dar lugar a uma nova ideologia. Em certos dias vinha um indivíduo de Nave de Haver, o Nabais, que nos trazia um jornal clandestino, e que nos falava do "homem novo", e de países onde havia terra para todos, onde havia pão e paz.

Mas, na aldeia, vivia-se um clima de medo e desconfiança; nós éramos apontados a dedo, e, à boca pequena, diziam que nós éramos os vermelhos. As notícias que chegavam do resultado da refrega eram vividas com a exaltação das vitórias, ou com o agrume das derrotas. O padre Raimundo, muito confiante do desfecho da guerra, ia, de binóculos, para o alto de Carcidade para ver os bombardeamentos com que os falangistas, dizia-se, arrasavam a cidade de Madrid. E nós víamos passar grandes filas de camionetas que se dirigiam, pela estrada velha entre Fuentes e Alameda, para Ciudad Rodrigo, e transportavam o apoio que Portugal enviava para os falangistas.

Depois, um dia, chegou a notícia de que a guerra tinha acabado, e nós percebemos que o tal mundo novo ainda vinha longe. Mas logo chegaram novas notícias que diziam que a Inglaterra a França e a Alemanha já começavam outra guerra.

E na Casa da Varanda, um após outro, nasciam os filhos, e aumentavam as bocas que era preciso alimentar. E os meios escasseavam.

1 comentário:

Anónimo disse...

Desde o primeiro “capítulo” que o noto. Já é altura de manifestar o meu espanto (espanto, sim!) pela qualidade da escrita: o vocabulário, a construção, o encadeamento do discurso, a pontuação, a sobriedade, a alta expressividade da linguagem contendo um mundo de ideias em poucas palavras e curtas sentenças. De tal modo me impressiona que, sem nenhum menosprezo, como sabes, pelo saber do teu pai, me pergunto se tal prosa não tem nenhuma espécie de arranjo.
Luís Veiga