quarta-feira, 16 de junho de 2010

Recordações (7)


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José Queirós continua a escrever as sua memórias (capitulo 7)...

Mocidade, que saudade...



Na minha infância gostava muito de ler livros, revistas e jornais. E já jovem adulto, apesar de todos os revezes na minha vida e das dificuldades que tinha de passar, eu cheguei a assinar “O Primeiro de Janeiro”. Recebia-o todos os dias pelo correio e muitas vezes tinha de escondê-lo das outras pessoas da aldeia, que achavam isso muito estranho, e que criticavam as pessoas que liam e a quem chamavam, com desprezo de "doutores". Havia como que inconscientemente uma atitude que repudiava a inovação, a mudança, o progresso. Tudo o que se desviasse do ritmo da vida, tudo o que viesse alterar aqueles costumes antigos, era criticado, às vezes de forma mordaz, ou acintosa. E que nos magoava muito, pois nos levava a excluir-nos e a sentirmos-nos um pouco como “marginais”.

Mas isso não significa que não houvesse coisas boas. Hábitos e práticas que se perderam e que ainda hoje recordo com saudade. Os jogos da adolescência que eram uma mostra de força e virilidade como, por exemplo, o jogo do ferro. E havia o jogo do “Bete” em que um jogador lançava uma bola de pau para ser “batida”, com um pau ou bastão, por outro jogador (que estava dentro de um circulo ou “ring”) . Este jogador, enquanto a bola pairava no ar, corria pelas balizas dispotas, em duas fileiras, à volta do campo. Os adversários procuravam apanhar a bola ainda no ar (às vezes usando um chapéu ou uma gorra basca), e devolviam-na à base. Logo que a bola “riscasse” o “ring”, o corredor tinha de se imobilizar numa baliza. Era um jogo de equipas, duro e tinha alguns riscos. Por ter sido atingido com uma bola, morreu anos mais tarde, na sequência disso, o Carlos, um filho da Ti Miquelina Forneira.

Gritar Ó barro…ó barro… era a forma de chamamento lançado da “Lancha do Forte” para se juntar a mocidade sempre que era necessário para resolver problemas, ou para beber a pinga que se fazia pagar aos rapazes que eram de outra freguesia, e pretendiam casar na nossa. A paga, nestes casos, era mais ou menos de cem escudos. Naquele tempo era bastante, chegava para tudo beber à vontadinha, e comer pão e salada de bacalhau até fartar e sobejar.

Também se gritava "Ó barro!" quando os rapazes atingiam 15 anos (mais ou menos), e tinham de "pagar o vinho". Era, nessa altura, que se dava a transição para homem. Que muitos de nós não chegámos a ter a certeza de o ser...

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