terça-feira, 13 de julho de 2010

Recordações (17)

Tempo da Guarda


Quando surgiu a possibilidade de trespassar uma taberna na Guarda, lá fui com a Aida, e um tal Manuel China, que conhecemos através do Zé Vitorino, e que nos levou à tal taberna. Que afinal era também casa de hóspedes e estava ali, no Largo dos Correios, onde paravam as camionetas todas, sítio de movimento. E logo se fez negócio, onde se gastou quase tudo o que tinha trazido de África, quase 45 contos.

Com muito trabalho, levantávamos logo cedo para acender o fogão de lenha com carqueja, faziam-se logo umas coisas para vender na taberna, bacalhau frito tínhamos sempre, porque havia muita gente a gostar, vendia-se bem, uma posta daquelas metida num molete e já não se ficava mal.

Às quartas e aos sábados tínhamos sempre mais freguesia, vinha aquela gente das terras ali perto, uns a tratar coisas na cidade e muitos vinham vender coisas à praça porque nesses dias era mercado. Na feira do S. João e do S. Francisco então era uma enchente, não tínhamos mãos a medir. Muitas vezes vinha nesses dias a Celeste do Zé Vitorino a ajudar na cozinha e dava bom jeito.

Penso que ali na Guarda, embora fossemos pessoas simples com poucos estudos, conquistámos uma certa posição. Muita gente nos estimava, eram os vizinhos gente com muita educação e pessoas estabelecidas na cidade que fomos conhecendo. O Pinto, da Casa de Utilidades, uma grande cabeça, homem muito sério que nos vendia louças e coisas que precisávamos, e que ia lá casa a dar injecções porque tinha sido enfermeiro. Falávamos de muita coisa, e começámos a ver que estávamos do mesmo lado quanto às ideias.

Com outras pessoas tinha um certo receio de falar, era aquele medo, mas quando foi em 1958 que o Humberto Delgado se candidatou a Presidente, muita gente se começou a abrir, até o António Cesteiro, que só lá ia beber um copo e quase nunca dizia nada, me confessou que tinha sido sempre do contra. Fomos muitos, ali ao largo do Hotel Turismo, ver o Humberto Delgado que subiu à varanda do hotel para falar ao povo, com o Dr. João Gomes sempre ao lado dele em todo lado, e depois foi uma bicha de carros até ao limite do distrito quando foi fazer campanha para Viseu, mas eu aí não fui.

Passados já tantos anos, a conclusão é que fizemos bem ir para a Guarda, muito trabalho, muitas canseiras, mas também uma vida farta sem grandes problemas. Os filhos foram crescendo, trabalhando e estudando e cada um acabou por tirar o plano à sua maneira para ter uma vida melhor que nós tivemos. Só fiquei com pena que nenhum deles se tivesse lançado na vida comercial, que foi uma coisa que eu sempre gostei.

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