quinta-feira, 30 de julho de 2009

Lucília e Norberto

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No friso das minhas recordações de infância destacam-se as figuras saudosas do Padrinho e da Madrinha.
Mãe há só uma, eu sei, mas eu tive o privilégio de ter tido duas. Muito do que eu sou devo-o a este facto. E não esqueço a dócil figura do padrinho Norberto, que evoco com emoção. Eles foram, à sua maneira, também o meu pai e a minha mãe.

Lucília foi a única sobrevivente de uma prole de treze filhos de Faustina Barqueira e de Manuel Sardinha. Um irmão, emigrado para o Brasil, deixou de contar desde muito cedo.
Como consequência de uma amizade entre Manuel Sardinha e António Borges, ambos da Guarda Fiscal, Aida e Lucília logo desde crianças se tornaram muito próximas, amigas intimas, confidentes, relação que se manteve e aprofundou pela vida fora até que a morte as separou.
Lucília não teve filhos e adoptou de alma e coração os filhos de Aida que sempre tratou e considerou como se seus filhos fossem.

Na quarta classe, com os meus pais já na Guarda, passei um ano inteiro com ela. Ainda hoje recordo os pequenos-almoços: batatas fritas embrulhadas em ovo.
Foi nos livros do seu pai, o tio Manuel Sardinha, que eu iniciei a minha aprendizagem cultural: “A Execução dos Távoras ”, “a Filha do Polaco”, romance histórico de Campos Júnior, “Mário”, de Silva Gaio que começava assim : “ Conheceis a Beira Alta?”
E foi numa obra monumental, em fascículos, de F. Arago, C. Flammarion e A. Arcimis,“Os Astros e a Terra” que eu me iniciei nos segredos da astronomia, paixão que nunca me abandonou. A casa da madrinha com o seu sobrado, e o lagar com as ferramentas do padrinho, eram espaços de prazer e de descoberta.

Norberto Clemente, meu padrinho, era um homem bom por natureza, julgo que nunca conheci ninguém melhor do que ele. Eu acompanhava-o nas lides do campo a “Vale de Lagar”, às “Macieiras” à “Baldade”, montado, por vezes, no burro; havia entre nós uma relação muito próxima. Ele cultivava a vinha e fazia o vinho com prazer, era a sua paixão; bebia-o com moderação, sempre em casa, nunca frequentava a taberna. Com frequência íamos buscar o pão a Alameda, sempre pelo caminho de Nave Rodrigo. Conheci com ele o Ti Paco , o Lorenzo, a Cármen que tratavam o padrinho por “Sr. Alberto”. E eu já conhecia bem o recado: "Se te oferecerem alguma coisa, aceita logo, os espanhóis não oferecem segunda vez." Entre os meus três e os nove anos, com o meu pai biológico ausente em África, o padrinho foi o meu pai afectivo.

Aos afilhados deixaram os seus bens em testamento; hoje, este afilhado sente-se na obrigação de procurar outros afilhados para saldar uma gratidão infinita.

Luis

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