sexta-feira, 31 de julho de 2009

As novelas da noite

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No inverno, com as noites a chegar cedo, passava-se o serão, com uma luz que ia escasseando à medida que o fumo ia tornando mais negra a chaminé do candeeiro de petróleo, à volta da lareira que se tinha acendido para fazer a ceia .
Na nossa família não se saía, em regra para casas alheias, nem durante o dia nem ao serão, salvo para a casa dos padrinhos Norberto e Lucília que não era uma casa alheia, mas mais uma extensão da nossa própria casa e eles, sem qualquer ligação de sangue, foram sempre os segundos pais que tivemos a sorte de ter.
O serão na nossa casa era, por sua vez, concorrido normalmente por mulheres. Para além da madrinha Lucília, da avó Cândida e de algumas vizinhas apareciam muitas vezes a prima Sara e a ti Maria Forneira que era uma viúva precoce com uma língua afiada e de quem nós, os garotos, gostávamos porque contava, na nossa presença, histórias, às vezes picantes, que as outras evitavam contar.
Não era necessário qualquer pretexto para aparecerem, mas o serão era muitas vezes aproveitado para a nossa mãe ler e responder a cartas que haviam recebido de filhos ou familiares ausentes.
A intimidade e cumplicidade eram de tal forma que na resposta às cartas não se estabelecia qualquer diálogo, como faziam em regra as pessoas que respondiam por outras. A ti Aida fazia totalmente a carta de sua própria cabeça e no fim lia-a em voz alta à interessada que dava sempre o seu acordo.
Mas o que distinguia os serões na nossa casa, relativamente à generalidade das outras lá da terra, era aquilo que hoje poderíamos chamar as novelas da noite.
Havia uns livros deixados pelo ti Manel Sardinha, pai da madrinha Lucília, que a nossa mãe resolveu ler. E lia-os em voz alta ao serão, à luz frouxa do candeeiro, para os assistentes que ouviam algumas páginas por dia com o mesmo entusiasmo que passados uns anos viriam a ter as novelas na rádio e na televisão.
Quando a cabeça começava a “pesar figos” terminava-se o capítulo e continuava-se a leitura no dia seguinte.
Éramos ainda bastante pequenos, mas acompanhávamos avidamente o enredo daqueles romances que às vezes não compendiamos muito bem. Tenho ainda na memória figuras e episódios de alguns romances, em particular “A Execução dos Távoras” e “A Filha Maldita”.

Armando

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