segunda-feira, 17 de agosto de 2009

África minha

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José Queirós emigrou para Angola em 1948. A vida em S. Pedro corria mal ao jovem casal, não tinham lavoura nem propriedades que lhes permitissem viver do amanho da terra, não tinham vacas, nem burros, nem cevavam porco. José tentava tudo mas tudo era pouco: fazia barbas, ofício que aprendera em solteiro, num estágio na Calçada de Carriche, em Lisboa, com o primo Zé Carpinteiro, matava uma ou outra rês que ia buscar às feiras de ano ou aos "dias oito", e vendia a carne em S. Pedro, contrabandeava umas garrafas de Pedro Domecq que despachava para Elias, no Porto. Os magros tostões não chegavam, eram seis bocas para alimentar, não havia, nessa altura, rendimento mínimo garantido.

Foi Aida que se lembrou de recorrer à prima da Mata, Amélia Cavaleiro, sobrinha de João Moutinho. Era esta prima casada com Aníbal Madeira que tinha em Angola a firma Madeira e Marques, uma daquelas empresas que prosperaram no tempo colonial, recolhia produtos locais, vendia aos indígenas, em troca, todo o tipo de utilidades, bicicletas, louças, panos, roupa usada, tudo pago em coconote. José foi parar ao Sumba, perto de Santo António do Zaire, não longe da margem esquerda do Grande Rio.

Várias vezes conversei com ele sobre a vida nesta cantina do mato, longe de tudo: havia mais dois ou três brancos, José adaptou-se bem, observava os costumes dos naturais, comparava com os seus, tirava as suas conclusões. Ele falou-me de quase tudo: das jibóias, das pacaças, dos mabecos, de Zama, o deus indígena, do seu sucesso, um branco com "inteligência no cabeça".

Muitas vezes penso como terá sido a vida deste homem, seis anos isolado nas profundezas de África, sem nunca ter vindo a Portugal. José era um homem novo, tinha 36 anos quando partiu, um homem desta idade está na flor da vida, não é um monge, o sangue aflora à pele, ah como gostaria de ter conhecido melhor o seu dia a dia, as suas tentações...
A S. Pedro chegavam de vez em quando umas cartas que traziam um cheque da firma Madeira e Marques, o certo é que os filhos viviam amparados, Aida sossegava, aos domingos, os miúdos de cara lavada, já havia quem comentasse: "são os filhos do africano."
Quando regressou, doente, pindérico, num sobretudo azul, trouxe-me uma esferográfica, mas eu ganhei um pai, na verdade ele esteve sempre no meio de nós: Aida cuidava disso.

Luís

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