A lancha do Forte fazia parte do bairro onde fomos meninos, era como se fosse uma coisa nossa. Tinha um escorrega natural, bem desenhado, que fazia a nossa delícia, nunca lá vi crescer musgo. Parecia que aquele barroco foi posto ali com aquela função. Na festa grande colocavam lá um mastro e umas bandeirolas. Era o centro do povo, era dali que se gritava " Ó Barro!" quando alguém era chamado a pagar o vinho. Na brisa do fim da tarde era ali que se limpava o feijão e o grão...
Julgo que o nome terá a ver com um forte que existiria eram S. Pedro e que é referido pelo pároco nas inquirições de 1758, ordenadas por Pombal. E, de facto, não há em S. Pedro melhor local para construir um forte do que aquela lancha.
Nas noites quentes estivais sentava-me ali com o padrinho Norberto, à espera que a casa arrefecesse, observávamos a estrelas, sobressaía o "setestrelo" sempre inconfundível, os aviões com as suas luzes a piscar, e uns satélites que vieram a seguir ao "Sputnik" e, quais planetas reflectores da luz solar, deixavam-se ver cá de baixo. Ali víamos as estrelas cadentes riscar o céu, recordavam os mais velhos a "chuva de estrelas" de outro tempo, colocavam imaginação na recordação.
A Lancha do Forte era o nosso observatório preferido: dali víamos chegar a camioneta ao Carril, dali víamos o arraial de Almeida, os foguetes de lágrimas da Senhora da Ajuda ou da Santa Eufêmia.
Deixo mais duas fotografias do tio Elias, do início dos anos 50, Zé Queirós em África. Numa delas aparece a inesquecível Tia Faustina, mãe da Madrinha, que estava sempre a fazer meia; era de tal modo caridosa que deixava, por vezes, a madrinha arreliada: quando passava um pobre de pedir, alguma coisa logo desaparecia lá de casa, uma farinheira, umas batatas, uma tripa de banha...
Faustina conhecia e ensinava-me as canções do cancioneiro religioso, alguns versos ainda me ecoam, ritmados, nos ouvidos
Andorinha gloriosa
Tão bonita como a Rosa
Quando Deus aqui nasceu
Todo o mundo estremeceu...
Luís
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