quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Dores de Aida

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A vida de Aida não foi uma vida fácil. Sofreu certamente, e muito, na casa do meio-do-povo: ali viu morrer o pai com 6 anos de idade, ali viu sofrer e morrer a avó Reta, vítima da mesma doença que iria matar a mãe Laura e levá-la a ela também. Ali sofreu com desencontros familiares, com a hostilidade familiar ao seu casamento com José.

Quando a Avó Laura saiu com os filhos de S. Pedro e a casa materna se desfez, viu ela desfazer-se também todo o seu mundo de infância e de adolescência. Como fazia sempre, enterrou essa dor, sofreu sozinha, foi capaz de esquecer. Nunca lhe ouvimos um queixume, um lamento, um sentimento de revolta. Eu soube, muito mais tarde, que Aida nunca mais se aproximou daquela casa, nunca mais passou naquela rua. Foi no dia do seu funeral, quando o cortejo saiu da capelinha da Senhora do Bom Sucesso para o cemitério, José mandou seguir outro caminho menos directo: “Não passava ali em vida, não passará em morta”. E isso nos surpreendeu, porque era um segredo só dela. Aida deixou ali, naquela casa, enterrado algo de si própria, algo que só ela nos saberia dizer.

Em S. Pedro, num dia de Verão, os sinos tocaram, a turba acéfala levantou-se e Aida sentiu-se impotente para socorrer um ente querido, vítima da selvajaria de uns quantos. Nessa noite, na casa da varanda, baixou a luz do candeeiro de petróleo, sentou-se na obscuridade do meio da casa e chorou, o filho mais velho, António, ainda criancinha, por única testemunha. Quando finalmente apagou a luz e se deitou, continuou a chorar e a soluçar.

Aida sofreu quando recebeu uma carta de África com a letra muito tremida dum marido, doente, em estado grave, onde já se advinhava o pior : "se eu morrer, faz isto, resolve aquilo, educa os filhos o melhor que puderes, o meu relógio fica para este, o meu fato fica para aquele...". Aida voltou a chorar e a guardar o sofrimento para ela, procurou guardar as forças para proteger os filhos numa qualquer eventualidade.

Sofreu na Guarda, quando venderam a casa do Largo dos Correios e, de repente, viu um grande espaço vazio à sua frente, a falta dos fregueses, as economias a desparecer, as despesas a ultrapassar as receitas… Voltaram a comprá-la e seguiram em frente.

Sofreu, enfim, na impotência de para vencer a doença que a levou…
Morreu como viveu, sem nunca deixar que a sua dor se alastrasse aos outros. Em vez disso, semeava harmonia, espalhava amor e bondade.

Luís

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