sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Os bons malandros do Liceu (4)

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Vá sentai-vos aí

Dos "malandros" do Liceu, o Veiga tem um lugar especial, pois é uma daquelas amizades que resiste a tudo. O Veiga acompanhou-me desde o primeiro ano do Liceu. Nos anos 60 frequentava a casa da Guarda, tempos que aqui evoca


«Vá, sentai-vos aí!» – era, a um tempo, uma ordem a requerer cumprimento e um convite acariciador que ouvíamos enquanto, com um gesto largo, nos indicava alguma mesa vaga no reservado. Logo à entrada, atravessando o espaço aberto da taberna, o Ti Zé Queirós saudava-nos cordialmente, com a satisfação de quem vê que o filho – é do mais novo que falo – ia bem encarreirado nas amizades que travava, que ambos, pai e mãe, conheciam da observação atenta a que não escaparia algum deslize de mau porte, se o houvesse, e ainda mercê de alguma informação obtida por mor da sua actividade de taberneiros, a cuja casa sempre iria parar uma ou outra alma da terra de cada um, e por isso mesmo apta a prestar esclarecimentos concernentes à família e mormente à rectidão da educação inculcada desde o berço.
Os que integrávamos o grupo de amigos mais próximos, que vinha desde o início do liceu, eu, o Rodrigues e o Célio (que deixou ceifar a vida aos 49 anos, em 1994), pelas bastas idas lá a casa, à habitação propriamente dita, para além do espaço que era a taberna, estávamos certificados como gente que não desmerecia do filho. E fora ali que o Carvalheira encontrara poiso para a mala de poucos haveres, durante um ano lectivo, quando viera do Fundão, onde se gastara três ou quatro anos nas bafientas casernas do seminário, e por essa via ficou bem conhecido da casa e adquirira igual certificação de qualidade. Mais tarde veio juntar-se o Jacinto, que de Lisboa rumara à Guarda para o 3.º ciclo do liceu (os 6.º e 7.º anos na nomenclatura de então), e que cedo alcançou o merecimento de integrar o grupo, já então bem coeso; e, integrar o grupo, era, no caso, obter a confiança da família Queirós.

Sempre atenta aos fregueses, costumeiros ou de rara ocasião, era em nós, contudo, depois dos seus, que encontrava a satisfação maior de bem servir. O discreto sorriso que se desprendia da sua face e a ternura que emanava do olhar em que nos envolvia, julgo apropriado dizê-lo, atestavam amor de mãe pelos filhos de outras mães, como que num prolongamento da sua maternidade!

Não era a toda a hora que ali almoçávamos, bem entendido, que cada um tinha a sua hospedagem de estudante e tinha custos a vida de todos; mas lá íamos, uma que por outra vez, sem constrangimento nem rópia, compenetrados do respeito e da estima que recebíamos e de que ficávamos devedores a toda a família, mas particularmente a si, que nos acolhia como filhos para além dos seus próprios. E também os três mais velhos não nos viam como intrusos, não sentiam o seu espaço invadido nem diminuída a atenção que sobre eles se derramava enquanto filhos. Afinal… o pai e a mãe tinham-nos educado na filosofia simples de saberem dividir com outros o que fosse seu, mesmo se pouco fosse!


A ti Aida caminhou o seu trilho bem depressa, sem cumprir o ciclo de vida que era seu. Finou-se aos 58 anos, em 19 de Outubro de 1969. Foi a sepultar em S. Pedro do Rio Seco. Fui dizer-lhe adeus.
Partiu, mas ficou presente. Ficou presente e continua presente nas frequentes ocasiões em que, a talho de foice ou não, a sua recordação, a sua imagem, a sua filosofia de vida e o seu nome vêm à baila nas conversas que rondam o nosso passado na Guarda que nos viu crescer e no Liceu onde adquirimos formação, as partidas inócuas que foram nossa diversão, a intensa aprendizagem da vida que fizemos então.
É a Ti Aida! Assim dito, no presente…


Luís Veiga

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