quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Perdoe-me Senhora Aida!

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Passados mais de cinquenta anos ainda não é fácil falar, de uma forma impassível, da filha mais nova do ti Morgado - a Cândida. Já não há muitas pessoas a lembrar-se desta jovem, da vida que levou e da forma abrupta como nos deixou.
Tendo ficado órfã de mãe que não sei se terá conhecido e com uma irmã mais velha – a Adelina - já casada e a residir noutra localidade, teve que assumir, numa casa rural, tarefas que pela idade, ainda não estaria preparada. Pela sua postura e comportamento era admirada e acarinhada, por toda a vizinhança e mesmo por todo o povo. No entanto, estou certo que não terá sentido durante a sua curta vida grandes manifestações de afecto, se tivermos em conta a dificuldade, talvez pelas ásperas condições de vida, que toda aquela gente sentia em se relacionar de forma afectuosa.

Com a nossa família manteve sempre uma grande proximidade, nomeadamente com a nossa mãe que tratava de forma respeitosa por Senhora Aida e que, em certos momentos, terá porventura assumido o papel da conselheira maternal que não teve. Lembro-me de muitas vezes ao fim da tarde, ela pedir à minha mãe para que eu a acompanhasse a levar a ceia ao pastor que era o ti Morgado, seu pai, e que dormia numa choça que ia mudando de local conforme a disponibilidade de pastagem. Fui, assim, algumas vezes com ela ali para os lados do Malavado, levar a ceia ao ti Morgado. Regressava, por vezes, já noite escura, sendo talvez essa razão para gostar de ir acompanhada.

Numa ocasião a Cândida deslocou-se à Freineda, para ver a irmã mais velha; não regressou por causa de uma qualquer doença súbita, bastante grave, dizia-se. As mulheres e moças de S. Pedro começaram a deslocar-se diariamente, em pequenos grupos, à Freineda para ver a Cândida, comentavam a evolução da doença. Ninguém sabia dizer qual era o mal, tendo surgido todas as hipóteses que as imaginações nestas alturas permitem.A nossa mãe ficou preocupada por ter verificado, no dia em que lhe coube a visita, que se tratava de um caso com alguma gravidade e ficou bastante intrigada por a Cândida lhe ter pedido perdão.

Até que numa noite, parou um carro na nossa rua à porta dos Morgados e a nossa mãe depois de confirmar o que já palpitava, foi acordar a Tia Alice a quem pediu para fazer um vestido branco para amortalhar uma noiva que nunca seria.

Algum tempo após este fatídico dia, as mulheres começaram a ter umas conversas que nós – os garotos – não percebíamos muito bem, até porque elas evitavam ser muito claras na nossa frente. Falavam em nomes de homens, uns solteiros outros casados, teria sido de sua livre vontade, teria sido forçada. Mas percebiamos, pelas conversas, que a Cândida se teria deslocado à Guarda para resolver um problema.

As coisas teriam acalmado naturalmente não fosse uma figura sinistra, que permaneceu durante uns anos lá na terra, se ter referido ao caso, num discurso duma missa de Domingo. Condenava ele, abertamente, o uso daquele vestido branco, símbolo da pureza, por quem já não o merecia. Mas nós – os garotos – só viríamos a perceber tudo isto quando deixámos de o ser.

Armando

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