quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Amigo por afinidade

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Foi um comentário que apareceu espontâneo no Blogue que nos surpreendeu pela sua argúcia e sinceridade. Publicá-lo aqui é a nossa forma de agradecer as palavras que ele contém. Aida gostaria de o ler.

Através de um amigo de um vosso amigo que conhece o meu interesse por este tipo de comunicação fui há uns tempos, incentivado a consultar este blog que, a partir daí, passei a seguir atenta e assiduamente.
Posso assim considerar-me um amigo vosso em terceiro grau ou talvez melhor um amigo por afinidade.
E é como tal que assino este comentário. Não por pretender o anonimato, mas mais por considerar que seria abusivo da minha parte incluir o meu nome num conjunto de nomes que têm muito em comum, desde laços familiares a uma convivência ou uma ligação muito estreita com antepassados vossos.
Feita a minha apresentação, começo por felicitá-los pela ideia que tiveram em procurar transmitir aos vossos descendentes toda a carga do vosso passado.
E, se na minha análise crítica, começaram por pretender homenagear os vossos progenitores, parece-me que ultrapassaram em muito o projecto inicial, já que nesta homenagem acabamos por ver incluídos antigos amigos e vários familiares e focados aspectos que ajudam, especialmente aos mais jovens, a compreender o temperamento medievo que nos caracteriza e de que ainda não nos libertámos.
A interpenetração entre relações familiares e de vizinhança, num modo de produção de subsistência e uma tendência para uma estratificação entre a classe rural e uma classe com pretensa ascensão à pequena burguesia, podem repescar-se em alguns dos textos e foram, em minha opinião características marcantes da nossa sociedade na primeira metade do século XX.
Por outro lado, é também visível a subtil influência das mulheres nas grandes decisões, numa sociedade que era profundamente machista.
As formas, veladas ou explicitas, de revolta contra as condições de vida e contra vários preconceitos, como era o caso de mães solteiras, com as trágicas consequências que daí resultaram, são também aflorados, às vezes de forma sublime, em alguns dos textos.
Também percebemos, através das linhas ou entrelinhas destes pequenos textos que o regime, apesar da sua extensa base de sustentação e do forte apoio da igreja, se defrontou com núcleos de oposição mesmo nos lugares mais recônditos, não obstante a suas formas de organização serem em grande parte dos casos muito incipientes.
Não queria terminar sem os felicitar pela forma como assumem, sem falsas modéstias, a humildade das vossas origens e orgulho nos vossos ascendentes, reconhecendo-lhes o contributo que tiveram para a vossa formação.

Amigo por afinidade

2 comentários:

Armando disse...

Caro amigo
Permita-me que o trate assim, porque sendo amigo de nossos amigos, é nosso amigo também e sem qualquer grau de classificação.
Foi com alguma surpresa e com grande satisfação que recebemos o seu comentário.
Afinal, aquilo que pensávamos interessar a um restrito núcleo de pessoas, ultrapassou as nossas expectativas.
Neste caso, ficámos particularmente satisfeitos por constatar que seguiu e analisou atentamente os textos publicados.
Gostaria de lhe transmitir os nossos agradecimentos e também os nossos parabéns, pela forma como enquadrou social e culturalmente, através de um pequeno texto, aspectos do blog que nós próprios teríamos alguma dificuldade em relevar nessa perspectiva.
Aproveito para apresentar os melhores cumprimentos
Armando Queirós

Jorge Carvalheira disse...

Caro amigo, mesmo se apenas afim:
Há-de saber que Portugal atingiu a pós-modernidade, sem algum dia ter sido moderno. Que um país moderno é só aquele em que todos os filhos têm lugar próprio, uma função, uma tarefa, uma cidadania, uma dignidade. E todos em conjunto um país a edificar e a desenvolver. Num país moderno, sejam catedráticos, canalizadores, camponeses, diplomatas, cavalheiros de indústria, pastores de gado, frades de convento, jornalistas, cantadores de fado, artistas de vanguarda, toureiros ou analfabetos, todos os filhos se reconhecem como membros da colectividade. Não andarão de mão dada na rua, mas respeitam-se como entidades individuais.
Isso nunca aconteceu em Portugal, porque >Portugal nunca saiu do quadro de antigo regime. Três quartos dos portuvgueses nunca tiveram acesso à cidadania inteira, para que o quarto restantwe, o das elites privilegiadas, pudesase viver à tripa forra.
A história explica como é que isso foi feito, a quem o quiser ver. Não a história oficial, que é sempre a de quem manda. Mas aquela que ficou nas entrelinhas mostra suficientemente os mitos, as trapaças, as lendas, as artimanhas, os equívocos e a imensa hipocrisia de que os poderosos se serviram.
Foi assim que Portugal nunca desenvolveu uma economia, a não ser a da penúria e a da fome. Para manter o rebanho em respeitinho.
Foi assim que milhões de portugueses não tiveram nunca outra saída que não fosse a sangria da emigração. Foi assim que na década de 60 Portugal se despovoou, para escapar à miséria. Foi assim que, em função da demência colonial, o 25 de Abril aconteceu pela mão duma tropa desesperada, que abriu as portas a uma salvação qualquer.
E foi na condição de náufrago que Portugal entrou na Europa, única alternativa que restava.
O que aconteceu desde então, ao longo de duas breves gerações, e os caminhos que as novas elites nos têm levado a percorrer, é já bastante claro. Portugal está maisd frágil, mais ameaçado, mais dividido do que nunca, em sectores e grupos que nãom só se desconhecem, como se desprezam mutuamente. A emigração explodiu outra vez ( e agora não só de mão de obra menor) porque esse foi sempre o único e instável mecanismo de equilíbrio. A economia que o país nunca teve, não se improvisa numa geração. E a Europa, não se sabe se é tábua de salvação ou causa de afogamento.
Neste quadro, onde ficou a alma de Portugal, se alguma existe? É nas concentrações do litoral, onde o país se urbanizou à pressa, desenraizado, precário, consumista, massificado, aflito? Ou é no interior despovoado, onde a velhice e a falta de massa crítica ameaçam o próprio mercado e a sobrevivência comum?
Este blogue é um gesto individual, que se apoia, suponho eu, num pensamento: se em Portugal houve heróis que merecem a nossa memória e podem servir de exemplo e incentivo, são aqueles que fizeram da vida e da sobrevivência um milagre dos verdadeiros.
A Ti Aida e o Ti Zé Queirós são exemplo de milhões das nossas famílias. Eles desafiaram as normas, construiram a vida e criaram os filhos em condições que nós hoje nem sabemos imaginar. Mas não se limitaram à fórmula geral da emigração à ventura. Forneceram aos filhos condições para virem a ser cidadãos inteiros.
Se alguma coisa em Portugal serve de exemplo, é o exemplo desta gente. E se a arte verdadeira é a que organiza um mundo a partir dum chão caótico, eles foram os verdadeiros artistas.
Foram gente. A haver alguma coisa por trás do 5º império de que falam os visionários, o 5º império de Portugal é isto. O resto é tudo tralha pós-moderna, destinada à falência.
E agora peço desculpas por este despudorado relambório!